terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Aposentando o mundo

Era ano-novo. 2012 arrumava suas coisas no escritório. Guardava sua caneca, o album de fotos, o pôster motivacional que pendurara na parede com a legenda "Não deixe para o ano que vem o que pode fazer este ano!", sua cafeteira e as várias folhas sobre as quas dormira em cima durantes os 365 dias. É incrível como passa rápido. Sentiu uma certa frustração ao ver a sala vazia. Verdade que Nyemeier e Hebe tinham morrido no seu turno, e que teve a descoberta do Bóson de Higgs, mas nada que dê para ficar na história. Em breve seria um aposentado esquecido ouvindo outros numerais se gabando de suas conquistas, como o ano do sacrifício de Jesus Cristo, ou o ano que o homem pisou na Lua.

— É uma pena — disse ao apagar a luz.

No mesmo instante um raio surgiu e fagulhas de eletricidade pipocaram pelas paredes, reunindo-se no centro do escritório.

— Que porra...

A eletricidade tomou forma, e com uma explosão apareceu um numeral ali. E não era o ano seguinte.

— 2012? - perguntou a figura.

2012 confirmou.

— Sou 2017. Vim do futuro para lhe avisar.

— Avisar? Avisar o quê?

— Você precisa acabar com o mundo.

— Acabar com o mudo?

— Não. Eu quis dizer... o mundo!

Houve uma pausa e uma música de suspense, um órgão martelando teclas até a mais grave.

— Que foi isso?

— O toque do meu celular. — respondeu 2017 — Programei para tocar nesse exato instante usando os meus conhecimentos do passado.

— Uou! Isso não faz sentido, mas é legal. Espere... — 2012 havia acabado de perceber algo — Você disse que eu preciso acabar com o mundo?

— Sim. Um desastre vai acontecer. Daqui a alguns meses, em 2013, os cientistas vão criar o programa Lixeira Espacial. Ele consiste em construir imensas naves, capazes de carregar grandes quantidades de lixo e levá-lo para o interior solar.

— Que legal! Pena que não aconteceu na minha época!

— Isso. Não. É. Legal — repreendeu 2017. — Não me interrompa.

— Ok ok... — disse 2012, e depois mais baixinho: — Putz... viagens no tempo devem devem fazer mal para o humor...

— Bem... A primeira nave do Lixeira Espacial será lançada ainda no final do ano, com sucesso. A solução final para o problema do lixo chegou, os humanos vão pensar. Nada mais de se preocupar com coleta seletiva, ou na manuntenção de aterros sanitários. Basta tacar tudo no Sol e deixar queimar.  E assim mais naves são criadas, e mais lixo é produzido. Sem que percebam, o equilíbrio químico do Sol é destruído, transformando-o, no último dia do ano de 2017, num super Buraco Negro que engolirá não só a Terra e a galáxia, mas a própria História em si. A Terra sumirá em todos os tempos. A não ser que ela seja destruída antes.

— Você está querendo dizer...

— Sim. Você deve acionar o Apocalipse.

— Sério?! - disse 2012 puxando 2017 pelas abas. — Eu posso acionar o Apocalipse?

— Pode não. Você deve.

— Rá! Mas isso é muito melhor do que o sacrifício de Jesus ou pisar na Lua. Nossa! Isso é melhor do que a descoberta do FOGO! Meu próprio Apocalipse! E eu nunca acreditei nessas profecias.

— Ah! Pois eu acredito em todas! — falou 2017, animado. — Sou meio que esotérico, sabe. Não saio de casa sem ler o horóscopo. Hoje mesmo, tava falando que o passado me atormentaria, daí fui na minha própria cartomante. Ela é tipo: o máximo! Ela que me avisou que o Sol explodiria no 31 de dezembro e disse que eu deveria voltar no tempo para ajudar na destruição da Terra.

Mas 2012 não prestava mais atenção, seus dígitos se chocavam ao andar de um lado para o outro em êxtase.

— Imagino como vai ser... Será que vai ter muito explosão e luz? Será que vai ter meteoros?  Será que um vírus mortal vai assolar o planeta? Ou uma invasão de zumbis!!!

— Não sei, mas é bom ser rápido. Daqui a pouco o ano acaba. Bem, tenho que ir, minhas moléculas estão enfraquecendo. É hora de voltar ao meu tempo.

— Pode deixar comigo. Esse mundo vai estar bem acabado.

— Sim. Adeus e boa sorte!

Um raio estourou no escritório e levou 2017 junto.

Sozinho, ciente de estar prestes a entrar para a história, 2012 correu até o cofre na parede, escondido atrás de uma estante. Apertou a senha no teclado perto da fechadura, e o cofre se abriu. Dentro havia somente uma chave de força com uma plaquinha abaixo escrito "Apocalipse".

2012 esfregou suas perninhas e pressionou o botão.

No mesmo instante vulcões explodiram, tingindo o planeta azul de vermelho, que depois se tornou cinza. Ainda assim algumas cidades sobraram, mas das profundezas dos mares veio um terrível ser metade peixe, metade bailarina e fez um recital em cima de todos. Por fim, a chuva ácida eliminou qualquer sobrevivente.

Quando a terra era nada mais do que uma pedra corroída, 2017 reapareceu.

Iria contar que a cartomante havia lido as cartas erradas pois estava sem óculos. O Sol não iria explodir e o mundo não precisava acabar, ele só iria encontrar a pessoa amada.

Tarde demais.

Problemas de agenda ejaculatória

Pior do que sofrer de ejaculação precoce é ter ejaculação retardatária. Imagina que Antônio comparece na cama à seco, feito cano d'água no deserto, e daí, na fila da padaria, ao pedir 3 pãezinhos, vem o orgasmo.

O sujeito se segura na bancada, entorta a cara, procura evitar o grito, que acaba por sair de qualquer forma num engasgo; nas calça quae abre-se um rombo com o jorro.

O atendente, perplexo, entrega o pacote com os três pãezinhos, enquanto os clientes passam por um momento de profunda reflexão. Nunca viram alguém ficar tão feliz por causa de pão fresco.

Antônio nunca mais pôs os pés na padaria, que passou a ter muitos clientes à noite e se tornou a primeira padaria de pãos afrodisíacos da região.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Paralisia no calor de domingo

Nesse domingo está fazendo aquele tipo de calor que lança tudo, pessoas, objetos, animais, até a rotação do planeta, num torpor. Não há vento. O tempo para. 8 horas, 9 horas, 10 horas, meio-dia, da manhã até o fim de tarde é o mesmo sol abrasante; as nuvens que aparecem na janela me acompanham na imobilidade do sofá. É como se a luz solar fosse de um flash e o mundo congelasse numa foto instantânea, a espera do fim da luz para se mexer.
De noite, todos se levantam, movimentos lentos e preguiçosos, e reunem disposição o bastante para trocar de posição no sofá.
...
Parabéns àqueles que conseguiram ir à praia, sem derreter e virar uma poça a ser lambida pelas ondas ou pelos raios solares.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Se choro é por um bom motivo

O pai, irritado com o choro da criança, deu bronca:
— Que isso, Breninho. De onde já seu viu um homem chorando desse jeito? Homens não choram!
— Queimei o dedo! — se explicou Breninho, engasgando com as lágrimas.
— Mas não é possível! Como queimou o dedo, menino?
— Colocando fogo no carro.
Pela janela, dava para ver a carcaça putrefata do Fusca de estimação. O que sobrara de uma roda cedeu e foi rolando pela rua. O pai ficou balbuciando alguma coisa, até irromper num choro desenfreado quando a roda finalmente tombou com um som metálico. O filho, irritado, deu uma bronca:
— Pai! Homem não chora!

terça-feira, 24 de julho de 2012

Eventos astronômicos

Amanhã Vênus vai se alinhar com Marte, que vai ficar conversando com Júpiter, fingindo que não conhece Vênus. Júpiter, cansado, vai dizer que não aguenta mais a briga dos dois e vai mudar de órbita.
Esse evento poderá ser visto em algumas áreas do hemisfério norte, a olhos nus. Cientistas acreditam que não deve se repetir tão cedo e aconselham que Vênus e Marte frequentem terapia.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Papo pro ar

Acontece muito comigo, pessoas me pedem para repetir algo que eu disse ou fiz que era muito engraçado, mas eu nunca consigo repetir; muitas vezes mal me lembro e tento fugir.

— Cara, tu tava muito engraçado naquele dia! Haha! Como é que foi que tu disse mesmo? Repete aí!  Haha!
— Ah sim, muito engraçado mesmo... Mas, tipo, agora não não dá pra fazer de novo... não fica bem, né?
— Qual é cara, faz aí, é engraçadão! É rapidinho!
— Sei não... fica para outra hora. A gente combina de beber e...
— Pô, cara. Sério. Eu te pago! Eu transo contigo! Vendo a minha alma!
A pessoa insiste tanto, afaga tanto o ego que eu acabo me arriscando numa tentantiva, apenas para ver aquela cara de gelatina amassada, de tanta decepção.
— Que merda, cara. Você arruinou tudo.
Se for amizade, eu perco. Se for possível romance, ela cai fora, pensando que eu tinha me passado pelo cara realmente engraçado que tinha feito uma piada impressionante outro dia.
Nunca é tão verdade o que dizem: saia enquanto está fazendo sucesso e nunca mais apareça.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Coisas que passam desapercebidas

Eu: Po, o que aconteceu com você? Antigamente você me chamava de amor para cá, amor para lá, era cheia dos carinhos... Mal consigo reconhecer a minha namorada!
Ela: Isso é porque a sua namorada terminou com você há seis meses!
Eu: Você... sempre jogando isso na minha cara.
Ela: Vai ver o que jogo na sua cara daqui a pouco...

Plano B

Todo brasileiro que chegou ao final da adolescência depois dos anos 2000 sabe: se nada mais der certo, há sempre o concurso público. É o plano B da classe média. Se o negócio genial de vender aspirador de pó para roupas não der certo, você tenta o concurso público. Se a sua carreira como romancista não decolar, você tenta o concurso público. Se não passar no vestibular, você tenta o concurso público. Se ninguém pagar por seu corpo, você tenta o concurso público (ou uma plástica).

Do momento que você acorda até voltar novamente para cama no fim do dia, você passará por dezenas de jornais com anúncios do tipo: "Ministério tal abre tantas vagas para ensino médio, superior, fundamental e para quem sabe fazer cocô na privada". É como se fossem botes salva-vidas esperando para nos conduzir em tempos de tempestade para a tranquila e estável ilha do funcionalismo público, onde se pode sobreviver com salários bons o bastante para manter seus pais afastados.

Esse seria um ótimo plano, realmente, se não fosse quase impossível passar nas provas. O volume da matéria cobrada pela maioria dos editais de concurso é comparável ao antigo e novo testamento juntos, somados a todos os outros livros sagrados escritos até hoje – só que a bibliografia dos editais não contem guerras, vinganças, seres super poderosos, e por isso mesmo, é muito mais chata. O que leva crer que ou os funcionários públicos são seres dotados com a memória e o processamento de um computador da Apple ou há um certo exagero na quantidade de legislações e assuntos cobrados.

Para conseguir dar conta de toda essa informação, as pessoas procuram o auxílio de apostilas, livros, cursos e por vezes mandigas, movimentando todo um mercado criado em cima dos concursos públicos. Elas se tornam concurseiros, desesperadas para pegar seu bote salva vidas e sair do navio que afunda.

O problema é que o navio não deveria estar afundando em primeiro lugar, e ninguém deveria ter que estar no desespero para encontrar uma saída. E, depois, mesmo seguro num bote salva-vidas, para onde ele vai te levar neste vasto oceano? Você pode estar seguro, mas não resgatado.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Ah, o ar puro! Ah, as flores! Ah, o cheiro de sangue...

Pois no final de semana viajei pra Miguel Pereira, com família -- e também segundo minha avó com Deus, mas ele não coube no carro e teve que ir de ônibus. Pra quem não sabe, Miguel Pereira é uma cidade de serra, pra depois de Queimados. Dessas que, pra chegar, você percorre inclinadas estradas estreitas em meio a muito mato e visões de uma provável morte despencando de uma das encostas. Mas se você superar o medo, é até bonito.

É muita paz, muito ar puro, muito passarinho cantando, e o lugar tem essa qualidade das cidadezinhas de amansar o tempo, torná-lo mais lento, as horas se espreguiçam por lá e toda gente anda com uma tranquilidade de quem nunca aprendeu que tempo é dinheiro. Uma paz sem igual, porém uma paz feita talvez com segredos, sangue e sumiços.

Em uma conversa com uma funcionária da pousada em que estávamos hospedados, ela disse que lá era um lugar de muita sossego e que qualquer "vagabundo" que desse as caras por lá logo sumia. E ela ainda fez um gesto agitando a mão como se passasse alguém na faca.

"Teve também o caso de duas velhinhas molambentas que ficavam mendigando na rua", ela disse, continuando a falar para um grupo de hóspedes que olhava desconfiado para os lados; bem, pelo menos eu estava. "Elas tinham uma casa bem ruim, caindo aos pedaços. Um dia ninguém mais a viu. Esperaram um tempo para ver se apareciam, mas o tempou passou e foram fazer uma busca na casa dela. Encontraram as duas mortas lá dentro, junto do maior luxo e de um monte de armas. A fachada desabando era só para enganar. As duas eram ricas e trabalhavam pro tráfico de drogas."

E ela continuou a falar sobre a paz citando todos os casos de violência como isolados e que não eram motivos de preocupação pois logo desapareciam, seja porque a "polícia por meios legais ou não" lidava com o problema ou porque a própria população dava cabo, como o caso de um estuprador que foi espancado pela população e sabe-se lá como ele terminou.

É engraçado como as pessoas tem essa visão de paz acima de tudo. Qualquer meio serve para chegar ao sossego, ninguém nunca pensa que dando essa abertura para a polícia agir acima da lei, isso pode voltar-se contra a população. Deixe-os matar, deixe as pessoas desaparecerem, vamos varrendo tudo para debaixo do tapete, até o tapete já não conseguir mais cobrir a sujeira e as pessoas tropeçarem nos calos formados pelo entulho.

"É muita paz aqui", terminou dizendo nossa simpática hospedeira.

quarta-feira, 14 de março de 2012

E o depois

Feito todo aquele discurso do post anterior, vale contar o que aconteceu depois. Exatamente depois eu fui me deitar. E depois eu fui assistir TV. E, depois, fui me deitar de novo. Não parece muito esforço para quem estava querendo mudar o mundo. Em minha defesa, de fato, na semana em que postei o meu manifesto, fui em algumas instituições buscar informações sobre trabalho voluntário.

Descobri que não basta chegar lá com meu lindo sorriso e boa vontade. Primeiro, porque meu sorriso não é lindo. E segundo, porque eles procuram no máximo possível organizar o trabalho. Você precisa se encaixar dentro das necessidades da instituição e ter um projeto -- uma oficina de arte? uma monitoria? contação de história? educação física?

Porém, mais do que tudo, é necessário se comprometer. Chegar numa hora certa, no dia certo, sem falta. Principalmente na instituição em que eu fui, que cuidava de crianças. Como ela procura complementar o período escolar com uma série de atividades, não pode ficar com um vácuo na programação. Sem falar que criança se apega fácil, sente falta, estranha; elas precisam de uma rotina, da segurança de que as pessoas a sua volta não vão desaparecer.

Eu não tinha um programa, embora tenha pensado em fazer uma espécie de oficina de conto. E não tenho certeza de que posso me comprometer, não no momento. Por isso deixei apenas a promessa de voltar outro dia com algo planejado. Fiquei meio triste de ter que adiar isso e, confesso, me senti um pouco hipócrita; sempre preocupado demais com minha vidinha, sem tomar qualquer ação. Mas, se for para me voluntariar a algo, quero fazer direito e espero conseguir me organizar para realmente voltar no futuro com algum projeto.

domingo, 29 de janeiro de 2012

As escolhas que fazemos

Somos frutos das nossas escolhas? Ou frutos do acaso? Ou ainda, frutos de uma cadeia pré-programada? Se for o caso do terceiro, não podemos comprovar, seria impossível perceber a nossa programação, então vamos ignorá-la por enquanto, porque até mesmo ao ignorá-la estaremos fazendo o que a nossa programação quer. Fiquemos com as duas primeiras perguntas, é possível controlar o mundo ou somos controlados por ele? Em outras palavras, a sua vida é uma merda por causa das suas decisões, ou de uma série de fatores além da sua vontade?

Acredito que, na verdade, são duas explicações não excludentes, fazemos escolhas, mas digamos que não escolhemos “essas escolhas”. Você não pode controlar a vida, coisas acontecem independente do que queira. Porém, uma vez que acontecem, você pode fazer uma escolha. Se você nasce pobre é muito pouco provável que você tenha direito a uma boa educação, a ser ator de novela e sair na rua sem ser vítima de preconceito. Mas você pode escolher entre as melhores escolas públicas que há por perto e de repente há cotas que podem te ajudar em escolas particulares e em faculdades públicas (apesar de muitos acharem isso horrível, “dar mais escolhas a uma pessoa? que ideia! ele sabe se virar sem faculdade”). Você pode fazer escolhas íntegras, você pode até usar camisinha para poder desfrutar de um bom sexo sem transtornos futuros (sério, camisinha funciona muito melhor do que tomar banho depois do sexo, já testei!) Ou pode ter filho, é seu direito, cara, não fica puto comigo. Só saiba o que está fazendo.

Da mesma forma, a nossa sociedade não é algo natural, suas mazelas e benefícios são resultados das escolhas de seus integrantes em determinadas situações que acontecem além de qualquer controle. O ser humano não é natural, não completamente. Nós questionamos o natural, e precisamos de um sentido, seja de fato encontrando um ou criando um. Nossa sociedade não é natural e precisamos questioná-la.

Ouvimos agora um monte de jornalistas e políticos esbravejando sobre uma droga chamada crack, subproduto da cocaína. Falam eles, “É preciso acabar com essa doença chamada crack” “Que triste decadência é o crack” Se eu for eleito, acabarei com o crack” “Como alguém pode tomar crack? É nojento.Essa pessoa está perdida, são zumbis”.

Esses nossos queridos amigos tão preocupados falam como se esta fosse uma situação nova, fruto desses loucos tempos modernos, algo nunca visto. A questão não é tratada como o processo de uma exclusão que ocorre desde que algum português gritou Terra à vista! em algum ponto do Atlântico. O crack não é uma droga nova, pessoas que vivem completamente à margem não é um fato novo. E por que o crack é tão mais preocupante que as outras drogas? Parece até que o consumidor de crack não tem aquele requinte de quem toma pedra comprada em pacotinho de veludo com traficante cheio de cultura (e isso sem tocar em antidepressivos e outros drogas aprovados por lei).

O que existe é exclusão, e não há nada pior do que exclusão.

Todos sabem, todos já sentiram como é ser excluído.

No colégio é sempre assim, não é? De repente alguém age de uma forma diferente e passa a ser excluído. Param de falar com essa pessoa. O distanciamento a torna mais desagradável, falam mal dela. Outros de fora do grupo, ao ver o colega sendo excluído, automaticamente concluem que algo ele deve ter de errado e passam a excluí-lo também. O excluído por sua vez, com mágoa, sofrendo com as dores de não poder participar da vida social de sua sala, passa em autodefesa a se excluir também, “eles são idiotas”ou “eu sou um merda, melhor ficar longe, não quero me foder”. A exclusão é alimentada sistematicamente e passa a ser aceita.

Podem se lembrar da sua infância e adolescência e vão perceber que já foram excluídos e também já excluíram. Não me venham com papo de pobre coitado, de nerds e valentões. Em geral, todo mundo experimenta os dois lados, a diferença: alguns são mais “bem-sucedidos” num lado do que no outro. Agora, lembre-se do quanto era ruim. Lembre-se da sensação de querer falar com alguém, mas ter vergonha pois estaria falando com alguém excluído. Lembre-se como era horrível ver a vida acontecer e não fazer parte. Lembre-se como era horrível excluir alguém e de repente perceber o quão mal a pessoa se sentia, e como isso te fez se sentir um monstro.

Pois bem, acontece até hoje.

Vivemos isso todo dia. Dentro da própria sociedade há regras que dependem da exclusão. Nós temos que fazer de tudo para ir para o melhor colégio, melhor faculdade, termos os melhores corpos, sermos simpáticos e limpos, antenados com todas as modas – temos de fazer isso tudo para não sermos excluídos. E, depois de ter filhos, ainda nos preocupamos se eles também vão ser excluídos.

E vamos falar a verdade: É uma barra, né não?

E vai ficando mais difícil com o tempo.

Dá até medo de questionar tudo isso, pois pode significar que fizemos alguma merda no caminho.

Mas a todo momento o modelo de exclusão está sendo perpetrado. A exclusão gera o outro, o cracudo, o deficiente, o velho desatualizado e inútil, o antissocial, o gay. Eu pergunto: Como alguém pode se sentir bem com uma sociedade que não o quer? Isolar alguém só aumenta o descrédito no outro e no sistema.

E mesmo assim vemos casos como a ação da polícia no Pinheirinho em São Paulo (ver mais sobre aqui). Uma comunidade de pessoas que foram expulsas de um outro lugar e que acabam de ser – adivinha! – expulsas novamente. Uma ótima solução, né? Com certeza vai funcionar. E, pra quem não percebeu, estou sendo irônico, estou até com uma sobrancelha franzida enquanto escrevo.

E assim vai, e assim continua, em cracolândias, no Pinheirinho, em famílias de classes pobres, médias e ricas, no trabalho e em tudo quanto é canto. Isolar é sempre a solução procurada, mas não integrar. Até quanto tempo vamos continuar assim?

Infelizmente podemos continuar até a raça humana se extinguir, mas pra que vivermos nessa situação de medo, se pudermos fazer algo. E podemos.

Não é fácil, é difícil pra caralho, mas vale ocupar a sua cabecinha. É a evolução da humanidade, entende? Será que é tão bobo pensar num mundo melhor? Você prefere aguentar a situação descrita nas linhas anteriores?

Nos dias a seguir, pretendo me voluntariar em orfanatos e outras instituições. Também pretendo me inscrever num projeto de Contador de Histórias. Por que não tentamos todos fazer isso e ver no que vai dar, quem sabe esbarramos com uma utopia no meio do caminho.

Deixo aqui o meu manifesto, pois todo pensamento é o ponto de partida de uma ação, de uma manifestação. É hora de tomarmos as rédeas de nossas escolhas. Ouço tanto falar o quão máximo é essa nova geração, a tal geração Y, a que gera rios de dinheiro com sua maravilhosa criatividade. Talvez essa geração possa gerar felicidade também, principalmente se colaborar mais com outras gerações, descobrir novas formas de se conviver.

Só a convivência diminui o preconceito, tudo é sobre aprendermos a conviver. É o que mostra que apesar de um detalhe ou outro não somos tão diferentes assim.

E lembre-se: dentro de você está Einstein e Hitler, está Jesus e o Diabo, Reis e camponeses, a poesia e o garrancho, loucura e sanidade, está o início e o fim, a capacidade de pensar e agir, que nenhum outro animal – nem ninguém mais nesse planeta ou nesse pequeno sistema solar – tem.

Faça bom uso. É o que peço a mim sempre e a todos que lerem esse texto.

Boa sorte.