sábado, 29 de outubro de 2016

Recital político

Receita do chef Temer

golpe assado
no panelaço
servido com
direitos
cortados
em
pe
da
ços

*

Bumerangue

atire o voto
pela janela
e ele volta
transformado
na mão
que aperta
a sua trela

*

Das alianças

entre
coalizão
e
colisão
há apenas
um
a-
parte
de diferença

*

Descrente crente

tá foda crer em política
mais fácil crer na bíblia
e melhor o dízimo
que imposto
assim tenho chance
a um posto
na loteria do céu

então se meu pastor aponta
eu voto
até que Deus
faça oposição
oro

*

Lupus eleitorensis

há um estranho lobisomem
ele não surge em noite de lua cheia
aparece de quatro em quatro anos
em época de eleição

na maior parte do tempo
apenas toma conta da vida dos outros
e se preocupa apenas com o mundo
que gira em torno da propriedade privada
de sua sala de estar

mas quando começa o horário eleitoral
vai à janela do quarto, do computador
uivar moralismos mais alto que carro de som
e passa a tomar conta da vida da sociedade
do espaço público e até
da sala de estar dos outros

domingo, 14 de agosto de 2016

Olimpíadas Metafísicas

Levantamento de ser
O poeta balança o ombro, relaxa os músculos, esfrega as mãos, inspira e expira, e agachando-se agarra o peso de ser com as duas mãos. Levanta o peso até a altura do pescoço. Ali fica paralisado, pernas e braços tremem, o suor escorre pela pele e pinga no chão, até que o poeta desiste e solta.
O peso de ser é demais para o poeta.
Mas ele continuará treinando.

Captura da natureza
A paisagem posa para o pintor italiano e francês. Cada um tem diante de si uma tela em branco e em punhos pincel e palheta. O juiz apita. Pinceladas chicoteiam o quadro do italiano, o francês olha apenas. Ao final, o italiano tem um retrato fiel da paisagem, capaz de fazer um passarinho se estabacar sem perceber que ali não era seu ninho, mas um quadro. Há palmas, muitas. O francês, porém, permanece com a mão imóvel, alheio ao tempo que se esgota. Na plateia as pessoas se agarram nervosas. O juiz está prestes a apitar o fim da disputa quando, em um movimento preguiçoso, o francês molha o pincel na tinta preta e risca de leve a tela branca. O juiz apita. A multidão empolgada grita.
Vence o francês.

Boxe existencial
O lutador declara que o oponente não existe. O oponente, por sua vez, pergunta como o lutador sabe que ele próprio existe. Ele se defende, “Sou capaz de conjugar pensamentos e refletir sobre mim mesmo.” O outro diz que os pensamentos podem ser de outra pessoa, do juiz ou do oponente mesmo. O lutador se desvia e contra-ataca, “Mas a vitória e o vitorioso existirá independente de a pessoa ser sonhada ou verdadeira.” O oponente esbraveja, “A vitória real é a verdade, buscar a ilusão é se perder.” O lutador se segura nas cordas, desnorteado, mais volta para cima do oponente, “Mas se somos sonhos a verdade irá nos desfazer, assim como o vento sopra as nuvens. A verdade, então, significaria nossa derrota!”
Há um silêncio meditativo, o sino toca. Termina 1609º round.

sábado, 16 de julho de 2016

Cirurgias Plásticas Mais Importantes do que Silicone ou Lipoaspiração

- Implante de vergonha na cara
- Preenchimento de neurônios
- Aparelho nos dentes para segurar as merdas que você fala, com enxerto de toma-jeito nos lábios
- Extração de veneno da língua
- Redução de fogo no rabo
- Correção de visão de mundo torta
- Nóia-aspiração (porque existe maluco beleza, mas noiado é só chato no mínimo)
- Piercings com mola nas costas para conseguir levantar da cama
- Injeção de amor no coração

segunda-feira, 4 de julho de 2016

White Man Productions apresenta:

Narração: Ano de 3024. O mundo vive sob o domínio colorido da ditadura gay.  Pessoas que saem à rua com roupas não combinando são presas. Pelo no peito é proibido. Cerveja e bebidas másculas foram substituídas por drinks com guarda-chuvas, azeitonas em palitos e cores extravagantes. Homens adultos choram por toda parte e são obrigados a... falar sobre sentimentos. Enquanto isso as mulheres tomam o mercado de trabalho e a natalidade cai a níveis absurdos. O governo começa a financiar a fabricação massiva de clones humanos, que apresentam sérios defeitos de desenvolvimento. A humanidade está perdida, mas há uma última esperança...

Surge em cena uma catedral em ruínas, a câmera avança pelo vão das portas desabadas, passa pelos bancos em desordem, atravessa o altar dilapidado, desce por uma escada secreta até o porão e encontra uma porta de aço reforçado com a inscrição Projeto Adão. Além dela há uma câmara de vidro, metal e cabos, onde um homem dorme congelado. Close: os olhos abrem.

Narração: Ele foi escolhido e congelado pelas mentes cristãs mais fundamentalista de sua época: Malafaia, R. R. Soares, pastor Valdemiro, Marco Feliciano e o cara que fez sexo anal com 45 homens para provocar como era ruim e diabólico. Adão II é mais forte, cheio de testosterona, entende de mecânica e churrasco e pode abrir os mais apertados frascos de azeitonas. O último macho do mundo dormiu por mais de 2000 anos. Agora ele quer cerveja... mulheres... e ação.

Um centro de convenção de moda explode; um carro-pipa cheio de cerveja atravessa a parede da sala de aula onde uma professora debate gênero e Adão II distribui cerveja para crianças; lésbicas são convertidas com a simples visão dos cabelos encaracolado de seu peito; nas ruas da cidade, uma massa de pessoas vestindo chinelo, bermudas e roupas não combinando marcha até o palácio do governo liderados por Adão II. O palácio do governo explode. Adão, com mulheres agarrando suas pernas, olha para a câmera e diz: Amém.

Narração: No cinema mais perto de você e longe de qualquer frutinha: Adão Volta – O Começo do Retorno Begins.

sábado, 14 de maio de 2016

Era uma vez um Governo de que todos falavam mal...

Era uma vez um governo de que todos falavam mal.

Em suas viagens para Miami e Paris, culpavam o governo de assistencialismo aos pobres. Em suas hamburguerias, creperias, espetarias, cafeterias ou vários outros novos restaurantes gourmet, bradavam, “O governo não agita a economia”. Em seus festivais com inúmeros artistas que nunca vieram ao seu país, reclamavam, “Aqui não se apoia cultura como em outros países”. Em estádios de futebol moderno, em arquibancadas de luxo, vaiavam o dinheiro gasto em infraestrutura. Na praia, depois de votar em branco ou nem votar, resmungavam, “Tanto faz votar, dá tudo no mesmo”. Em cima dos livros de teoria da faculdade, repudiavam, “Nem sabem falar direito”. Em que funcionários públicos criticavam, “O governo é pouco eficiente, precisa fazer cortes”.


Era uma vez um governo de que todos falavam mal e um povo que passou a falar, “É... até que não era tão ruim assim”.

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Crônicas Orientais II: Bushido do Amor

Dois samurais com espada, armadura imponente e carteira do sindicato dos samurais se preparam para um combate. O mundo congela e se aquieta, atento à tensão crescente. Os animais procuram o melhor lugar para assistir à luta, os galhos das árvores param de balançar e até as nuvens ficam constrangidas de seguir com sua eterna metamorfose e esperam. Por um tempo parece a maior competição de quem pisca primeiro da história, mas então o movimento.

A batida rápida dos pés no chão parece o vendaval de outono varrendo as folhas. Os rostos determinados. Os gritos ecoantes. O impacto.

Mas não é o som da espada cortando a carne que se ouve; é o das armaduras tinindo uma contra outra num imenso abraço. Os dois samurais envolviam-se como dois amigos separados por muito tempo. A voz deles, porém, era competitiva.

— Eu vou te abraçar feito um urso!

— Ah é! Quero ver!! Pois saiba que eu vou descansar minha cabeça no seu ombro e cheirar o seu cabelo!!!

— Então se prepara para a sacudida mortal do meu abraço com pulinhos! IIIAAAH!!! 
 
A batalha continuou sem tréguas, até que um dos samurais adormeceu gentilmente no abraço do outro — estava derrotado. Eles eram os samurais do abraço, homens honrados regidos por um código de afeto grudento e implacável, e essa época foi conhecida como A Grande Guerra dos Abraços, passada entre a Era Fuji e a Era Kodak. Mais tarde o sindicato dos samurais, interessado nos futuros direitos autorais de filmes históricos e no turismo, decidiu tornar a rotina dos samurais mais emocionante e assim abraços viraram espadas. Aquelas mesmas espadas que usavam geralmente para assar marshmallow na fogueira e fazer sanduíches.

Crônicas Orientais I: Kung Fu em Dívidas

O guerreiro Pae Cho Nei não gostou nada quando o terrível Puu Din, assassino profissional e confeiteiro nas horas vagas, matou o seu honorável mestre.  Na verdade, ele ergueu as mãos ao céu e jurou vingança junto ao cadáver.

— Entregarei em pessoa a alma de Puu Din aos demônios! E o bloquearei nas redes sociais!!

A partir daí começou um treinamento intensivo para se fortalecer e enfrentar o assassino. Nadou no rio contra a correnteza, meditou nu embaixo de cachoeiras, escalou as montanhas mais altas, meditou no topo dessas montanhas, encarou o rodízio de yakisoba nos podrão da esquina — é importante aumentar tanto a resistência interna quanto a externa — e meditou no banheiro durante nove meses. Enfim dominou as técnicas mais secretas do Kung Fu, após comprar o best-seller As Técnicas Mais Secretas do Kung Fu e Como Dominá-las.

Pae agora era um guerreiro superior ao próprio mestre. Podia finalmente começar a busca pelo assassino Puu Din. Logo nos primeiros meses de viagem sem descobrir qualquer pista de seu paradeiro, Pae Cho Nei percebeu algo importante. Que a China era grande pra caralho. E que cavalos comiam muito e eram caros. Pae estava na mesa de bar quando chegou a essa conclusão. Vendo sua preocupação, a balconista, filha do dono do bar, lhe perguntou o que acontecia.

— Estou numa jornada de vingança. Treinei três anos para enfrentar o assassino do meu mestre, mas nem sei por onde começar a procurá-lo.

— Que pena... mas quem sabe ficando um pouco aqui, a sorte não apareça. Talvez ela estivesse correndo atrás de você o tempo todo.

Pae Cho Nei deu uma olhada na balconista e não pode deixar de notar que ela era bonita, como uma ameixa brilhando ao luar numa noite de primavera — era um padrão de beleza diferente naquela época.  Pae aceitou o conselho e ficou mais um dia. O dia logo virou um mês, que viraram seis meses, que viraram uma gravidez, um casamento e depois outra gravidez e mais outra. Anos se passaram, o guerreiro agora era um velho, sua barriga havia crescido e também suas contas. As únicas vezes que se lembrava de Puu Din é quando batia em sua porta o cobrador de impostos. Então uma velha chama de vingança acendia em seus olhos cheios de catarata e ele gritava:

— Saia daqui, seu assassino! Quer provar a força dos meus punhos?

Nessa hora começava um kata de Kung Fu, que surtia nenhum efeito no cobrador de impostos além de um impassível cofiar do longo bigode. Bastava ele ameaçar um aumento de juros para fazer o velho guerreiro se desculpar e vasculhar o bolso atrás de trocados.

Enquanto via o cobrador de impostos se afastar com seu dinheiro, que deveria ser usado para pagar a dívida com o açougueiro, Pae Cho Nei se perguntava se não seria melhor ter estudado contabilidade em vez de ter treinado artes marciais.