sexta-feira, 23 de julho de 2010

Aluno Nota Zero Cap. 1

Deitado, com uma perna sobre o encosto do sofá, um braço protegendo os olhos da luz e o outro caído para fora do móvel, Renato tirava o seu merecido descanso pós-vestibular. Foram 3 anos de ensino médio, de conversas sérias sobre o futuro, de aulas incansáveis, de estresse e de um terrível esforço para fingir que estudava. Renato se preocupava com os pais, por isso sempre andava com algum livro a tira colo. Se em algum momento eles chegassem perto, era só pegar o livro e começar a escrever números sem nenhuma razão. Assim, todo mundo cumpria a sua obrigação e ficava por satisfeito.
Mas esses dias acabaram. Renato agora não tinha nenhum livro por perto, a não ser que você chame a revista da TV a cabo de livro. E, segundo os seus cálculos, que precisamente por estarem sempre errados, ele devia estar fora de qualquer universidade para qual tenha tentado. Pela frente estavam as maiores férias de sua vida, com final somente quando um dos seus pais decidirem pagar as contas de uma universidade particular. Daí, só teria que fingir ler livros maiores ou qualquer coisa do tipo. Nada demais. Até lá, a vida se resumia aos amigos sofá e TV.
Foi de imensa surpresa, então, quando sua mãe irrompeu pela sala, com uma carta nas mãos que, segundo ela, anunciava a sua classificação numa faculdade.

***

Dias atrás, Longe dali, no prédio da reitoria da Universidade Municipal do Estado do Rio de Janeiro II (a primeira universidade, uma cidade criada para receber as maiores mentes do país, foi um projeto exemplar, mas infelizmente construído numa área de riscos de desmoronamento. A aula inaugural ocorreu num dia chuvoso, causando um desastre que destruiu as instalações e matou o único professor que não havia faltado ao primeiro dia de aula) Um técnico administrativo se dedicava arduamente em seu computador a se distrair de seu trabalho que era registrar as fichas dos classificados no vestibular e, não, ver os últimos detalhes da anatomia de uma adolescente de roupas íntimas.
O barulho de passos se aproximando e o nariz protuberante do coordenador do setor despontando pela porta interromperam os seus estudos, forçando o técnico a dar adeus a Carlinha Sapeca e fechar a janela no seu micro com cliques frenéticos do mouse. Depois de uma janela de aumento peniano e outra de rede de relacionamentos, surgiu a janela com UMERJ2 no topo e os dados de Renato Franco Sousa com um série de notas zero, em vermelho, numa tabela. Abaixo, havia um botão cinza com Inscrever em destaque.
-Então, como anda o trabalho? Já terminou de colocar os nomes nos sistemas? – falou o coordenador passando por ele e colocando sua pasta em cima de uma cadeira desocupada.
-To quase acabando. – respondeu o técnico administrativo, sem prestar atenção que havia acabado de inscrever o último lugar do vestibular.

***

-Renato, você passou para UMERJ!!
-Hum?
-Não ta ouvindo não?
-Que foi, mãe?
-Você passou na UMERJ
-Passei o quê?!- Renato ficou com medo de ter dado um tom de surpresa um pouco maior do que o necessário, tentou controlar o seu terror. – Como assim passei?
-Na UMERJ... Ta surdo? Olha aqui a carta.
Renato tirou o envelope das mãos de sua mãe. Já estava aberto, por isso só precisou tirar a carta do envelope e desdobrá-la. Antes de ler , observou desconfiado sua mãe. Se aquilo era uma brincadeira, estavam brincando pesado.
-A UMERJ II tem o prazer de anunciar a classificação de Renato Franco Sousa.- a voz de Renato sumiu enquanto havia tempo, deixando para trás a boca aberta e trêmula.
-Parabéns, filhão! – disse a mãe, abraçando a estátua de pedra que tomou o lugar de seu filho – Espera só até contar o resto da família! E a sua avó achava que eu era incapaz de te colocar numa escola que não fosse de meninos especiais!
Renato tentou expressar algum tipo de animação, mas o esforço só o fez perder o controle das pernas e assim que sua mãe o largou, ele desabou no sofá.

domingo, 11 de julho de 2010

Impactos psicológicos da Copa

Concentrados, a família assistia ao jogo do Brasil na Copa. Estava difícil. Os atacantes chegavam na área adversária, mas nada da bola ir para o gol. Ia para todo lugar, chegou até a acertar a cabeça de um fotógrafo que viu pela câmera, uma bola se aproximar, até virar um close e lhe atingir em cheio na cara. A baliza indiferente repousava intocável.
Na família já se repercutiam xingamentos a tudo e a todos, principalmente do tio que tomava cerveja como se fosse remédio. Não foi para tanto que, quando então, abençoado pelos Deuses do futebol, Robinho meteu um chute bonito no ângulo. Todos ergueram-se da cadeira, como uma onda prestes a engolir uma cidade. A onda, contudo, não desabou. Todos estacaram, a boca aberta preparada para um grito que não saía, as mãos fechadas no meio do caminho de irem aos céus e os olhos esbugalhados em cima do tio, o único a comemorar. O tio, do alto de seu êxtase, de repente percebeu algo de estranho na falta de reação dos outros.
-Que isso, gente? Porra, foi gol do brasil!
Nada as pessoas pareciam chocadas. A mulher balbuciou algumas palavras, sem chegar a fazer sentido.
-Onde está o espírito patriótico de vocês?!
Suas reclamações não tiveram efeitos.
Um sobrinho molecão chegou do banheiro correndo, desafiando tempo e espaço, para ver o gol. Não chegou a ver. Antes de avistar a TV, viu o tio antes e pôs-se a rir desenfreadamente.
-Olha a calça do tio!
Aquilo pareceu quebrar o feitiço. Os espectadores saíram de seu congelamento e passaram à chacota.
-Opa, um jogador acabou de entrar em campo... – falou o dono da casa acotevelando de maneira cúmplice um amigo.
-Sérgio, na cama você não tem essa disposição - disse a mulher do tio, ainda chocada, porém mais ofendida.
O tio olhou para baixo, e encolheu-se rápido no sofá, tomando em mãos a almofada para bem próximo de si. A copa havia terminado, pelo menos para a sua masculinidade.
O analista, no dia seguinte, observou:
- Jogos de futebol despertam os desejos mais primitivos dos homens, sendo o desejo sexual um deles. Na verdade, assistir um jogo não é muito diferente de...
A frase se perdeu na cabeça tumultuada do tio. Não tinha como aquilo ser normal! De hoje em diante, nunca mais esportes!
E assim foi. Muito embora a partir daí era a mulher que insistia em assistir jogo de futebol à noite no lugar de novela. Por que será?