sábado, 25 de abril de 2009

O que Hollywood tem a ver com o sentido do universo?

Em Los Angeles, Hollywood, existia uma mansão... quer dizer, existiam muitas, mas para nossa história aqui havia uma em especial. A residência como você já deve imaginar, era um verdadeiro castelo, isso se o Rei, no caso, fosse chegado a arte noveau, a portas de vidro não muito úteis contra invasões bárbaras, a escultura de personagens de cinema e a feng shui. Porém, o que de fato impressionava era o vazio. Se você entrasse pela porta principal, se depararia com um hall que era um pouco mais que uma caixa vazia com uma passagem para uma sala espaçosa sem decoração, apenas ar e uma escada suntuosa. Subindo seus degraus, ouvindo o eco dos seus passos, chagaria a um longo corredor a se estender por dois lados, onde nada acontecia. Se você estivesse num dia especialmente monótono poderia de repente seguir o corredor da direita, passar por alvas paredes e por 4 portas desinteressantes para entrar na quinta e se deparar com um produtor de Hollywood e seu assistente debruçados no que pareciam ser livros, roteiros e dvds espalhados por tudo quanto é canto. O quarto foi transformado num apartamento com cama, uma mini-cozinha e um pinico. O produtor apertava os olhos e suava com o que parecia ser uma cópia traduzida para o inglês da escritora brasileira Bruna Surfistinha.
-Que, Droga! – gritou ele, tacando o livro aos léus, ou melhor na cabeça do assistente.- Tem muita palavra nesses livros! Isso é coisa de intelectual, não dá filme não! Como você está aí, Tom?
Tom pressionou o pause de seu joystick, congelando a imagem da TV na hora em que um homem de macacão, boné vermelho e bigode derrapava dentro de um kart.
-Ah tem esse jogo interessante. Eu não entendi muito bem, mas é sobre esse encanador italiano que quer ganhar uma corrida de kart para se casar com uma princesa.
-Bah! Karts não chamam a atenção de garotos de 13 anos, a não ser que se transformem em robôs. – agarrou o assistente pela camisa – Eles se transformam em robôs?
-Não senhor.
-Então, não serve pra nada, Tom. Deus! – gritou o produtor, puxando o cabelo para trás e esbugalhando os olhos. Muitos assassinos fazem isso antes de ter uma idéia brilhante para fazer as pessoas caberem no seu forno microondas. – Estamos fodidos! Se a gente não tiver uma idéia prum filme estamos fodidos! Porra, Tom, para que eu te pago?
Tom pensou em dizer que o seu salário estava atrasado há mais de um mês, contudo decidiu ficar quieto e procurou ver se havia algo em sua cabeça, mas ali tinha menos conteúdo do que televisão aos domingos. Como muitos jovens do interior, ele veio para Hollywood porque a sua mãe vivia dizendo que era cheio de idéias, o que era dito de qualquer um da região que conseguia redigir um parágrafo inteiro.
-A gente podia escrever um roteiro novo.
Ao ouvir as próprias palavras foi tomado de um susto, sentiu que dissera alguma blasfêmia, uma blasfêmia contra algo maior do que Deus, a indústria. Num trovão, o produtor se ergueu, deixando cair no chão o amontoado de folhas que havia em cima dele. Puxou o cabelo para trás de novo, arrancando alguns fios. De fato, descobrira um jeito de encaixar o garoto num fogão.
-Escrever um roteiro original?! Como assim escrever um roteiro original, Tom?
-Pensei que...
-Não Pensou! Diabos, não há nada de original para se fazer! Tudo que é bom já foi feito. O nosso trabalho é pegar essas coisas e colocar mais sexo e mais violência. Nada se cria tudo se transforma, Tom. Estamos apenas contribuindo para o funcionamento do universo e ganhando dinheiro com isso. E merda! Nem isso conseguimos!
Pontuou o esporro chutando a bagunça ao redor até que se sentou no seu colchão e, com o rosto escondido entre as mãos, desatou num choramingo. Era isso: ou vendia a casa ou morria de fome ali dentro, esquecido num quarto. Oras, claro que preferia morrer. Imagina sair pela rua como um fracassado? Deixar as suas esculturas exuberantes de Elvis Presley sendo abduzido por ovnis para trás e pela primeira vez na vida arranjar um trabalho de verdade, com carga horária e sem intervalo para ir a uma festa com modelos ou cheirar cocaína? Tudo porque livros eram chatos! Porra, precisa fazer faculdade pra estudar cinema? Se tinha, não lhe contaram. Achando que o choramingo não bastava, decidiu ir com tudo e partiu para os prantos e lamúrias. Não obstante, já que a sua vida iria acabar mesmo, jogou-se para debaixo da cama para se acostumar às trevas.
-Senhor? –perguntou Tom, segurando o roteiro de Titanic como um porrete ao se abaixar para sondar o esconderijo.
-Saia daqui! – gritou a voz vinda das sombras entrecortada de soluços, soprando a franja de Tom - Me deixe em paz! Já me roubou o dinheiro, como todos. Vá embora!
-Senhor, é que eu acho que acabei de ter uma idéia para uma adaptação.
Dois globos brancos se abriram no breu de baixo. Uma cabeça hollywoodiana suja e vermelha saiu dali, arrastando-se. O garoto deu um passo para trás e os seus dedos apertaram com mais força o calhamaço do roteiro de Titanic que balançava de um lado para o outro. O produtor, indiferente, disse:
-O que tem aí, vamos ver.
Tom coçou a cabeça e fugiu do olhar que o encarava ali em baixo. Sua voz vacilou um pouco, mas acabou por engatar:
-HUmm...eu assisti 20 minutos de um filme ontem, acho que o nome é Matrix. E bem... é sobre esse cara que vive num vídeo game e luta kung-fu em slow motion, uma técnica que ele aprendeu com uma senhora dona de casa ou algo assim. Pensei... Nós podíamos fazer um remake...
A opinião foi ouvida e se fora de agrado ou não era difícil de se dizer, pois o homem não se moveu um centímetro do chão. Só o som dos estalos repetidos das juntas dos dedos do nervoso Tom quebravam a monotonia.
-Um remake hein?- falou finalmente o produtor, e uma sobrancelha se ergueu.
-Hum. Sim, quer dizer... já faz quase 10 anos que passou nos cinemas e... calma aí, senhor! Não faça isso. Eu...
Tom foi interrompido porque o tal do produtor fizera realmente algo. Contudo diferente do que o garoto da fazenda pensava, ele não tentou lhe estrangular e muito menos o cortar em pedaços, tudo o que ele fez foi lhe dar um abraço e um beijo constrangedor no rosto com um estalo tão ridículo que parecia feito a partir de um sintetizador. Era algo como bola chiclete explodindo misturado com o ruído de alguém abrindo um fecho de velcro. E o beijo foi constrangedor apenas porque o rapaz ainda não fora em nenhuma festa, onde provavelmente seria flertado por uma série de indivíduos das mais diferentes sexualidades e, porque não dizer, até de outras espécies. Lessie e Madonna, contam as más línguas, já deram lá os seus pegas.
Após alguns segundos de abraços e exclamações extasiadas, Tom foi liberto, a exceção de uma mão no seu ombro. O produtor estava agora numa outra terra já podia ver os cartazes no cinema:
-Matrix: Bug!A saga recontada! Agora com atores bonitos! Estrelando os Jonas Brothers e a Beyoncee!
Nunca mais precisará se livrar daquela mansão, talvez, quem sabe, compre as mansões do vizinho, assim, pra ter um lugar para seus animais silvestres excêntricos e os seus “personals rockstar” brincarem e terem overdoses.
O equilíbrio do universo havia retornado.