quinta-feira, 12 de maio de 2016

Crônicas Orientais I: Kung Fu em Dívidas

O guerreiro Pae Cho Nei não gostou nada quando o terrível Puu Din, assassino profissional e confeiteiro nas horas vagas, matou o seu honorável mestre.  Na verdade, ele ergueu as mãos ao céu e jurou vingança junto ao cadáver.

— Entregarei em pessoa a alma de Puu Din aos demônios! E o bloquearei nas redes sociais!!

A partir daí começou um treinamento intensivo para se fortalecer e enfrentar o assassino. Nadou no rio contra a correnteza, meditou nu embaixo de cachoeiras, escalou as montanhas mais altas, meditou no topo dessas montanhas, encarou o rodízio de yakisoba nos podrão da esquina — é importante aumentar tanto a resistência interna quanto a externa — e meditou no banheiro durante nove meses. Enfim dominou as técnicas mais secretas do Kung Fu, após comprar o best-seller As Técnicas Mais Secretas do Kung Fu e Como Dominá-las.

Pae agora era um guerreiro superior ao próprio mestre. Podia finalmente começar a busca pelo assassino Puu Din. Logo nos primeiros meses de viagem sem descobrir qualquer pista de seu paradeiro, Pae Cho Nei percebeu algo importante. Que a China era grande pra caralho. E que cavalos comiam muito e eram caros. Pae estava na mesa de bar quando chegou a essa conclusão. Vendo sua preocupação, a balconista, filha do dono do bar, lhe perguntou o que acontecia.

— Estou numa jornada de vingança. Treinei três anos para enfrentar o assassino do meu mestre, mas nem sei por onde começar a procurá-lo.

— Que pena... mas quem sabe ficando um pouco aqui, a sorte não apareça. Talvez ela estivesse correndo atrás de você o tempo todo.

Pae Cho Nei deu uma olhada na balconista e não pode deixar de notar que ela era bonita, como uma ameixa brilhando ao luar numa noite de primavera — era um padrão de beleza diferente naquela época.  Pae aceitou o conselho e ficou mais um dia. O dia logo virou um mês, que viraram seis meses, que viraram uma gravidez, um casamento e depois outra gravidez e mais outra. Anos se passaram, o guerreiro agora era um velho, sua barriga havia crescido e também suas contas. As únicas vezes que se lembrava de Puu Din é quando batia em sua porta o cobrador de impostos. Então uma velha chama de vingança acendia em seus olhos cheios de catarata e ele gritava:

— Saia daqui, seu assassino! Quer provar a força dos meus punhos?

Nessa hora começava um kata de Kung Fu, que surtia nenhum efeito no cobrador de impostos além de um impassível cofiar do longo bigode. Bastava ele ameaçar um aumento de juros para fazer o velho guerreiro se desculpar e vasculhar o bolso atrás de trocados.

Enquanto via o cobrador de impostos se afastar com seu dinheiro, que deveria ser usado para pagar a dívida com o açougueiro, Pae Cho Nei se perguntava se não seria melhor ter estudado contabilidade em vez de ter treinado artes marciais.

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