O sol da manhã me encara, na altura dos meus olhos, me
cortando com as sombras retas dos prédios, das árvores, da sacada, dos móveis.
Eu baixo os olhos, me rendendo. O sol não me quer por perto hoje.
II
17h19. O céu embotou. Cinza, azuis e laranjas, claros e
aguados. Lavaram o céu e botaram para secar. Até o tempo está diluído, a vida
estática como uma poça d'água. O ar, contudo, está seco e áspero.
III
Uma gangue de nuvens chegou para fazer arruaça no céu azul.
Já derrubaram duas vezes as folhas na minha mesa com seus braços de vento.
Agora as nuvens começam a estacionar, olhando feio quem passa debaixo dela,
seus braços de vento cruzados sobre os peitos brancos. Melhor não irritá-las.
IV
Nenhuma nuvem, nenhum pássaro ou avião. Um deserto azul
cobre a tarde. Um deserto azul encerra o mundo.
V
A luz da cidade refletida nas nuvens dá um tom avermelhado e
incerto ao céu noturno. Lembra um pouco a cor que aparece por dentro das
pálpebras fechadas.
VI
É noite, faz frio na rua e estou abraçado comigo mesmo. Olho
para cima; escuridão nua exceto por alguns fiapos de vapores arroxeados. Uma forma negra aparece contra uma nuvem, uma
criatura alada capaz de me envolver com suas asas e me carregar para seu ninho
na lua e me servir para os filhotes. Pisco os olhos. Uma parte do negror se
parte, depois outra, e no lugar da criatura, um bando de pássaros mais escuros
do que a noite.
VII
Nublado. Sol. Sol. Nublado. Ventania. Sol. Nublado. Para o vento. Chuva. Para a chuva. Vento. Sol. Neblina. O dia anda experimentando roupas.
VIII
O anoitecer nublado é um carpete, e a cidade é a poeira
varrida para debaixo dele.
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