O manifestante fotógrafo não necessariamente é um manifestante. É capaz de ele não estar nem aí para o que está acontecendo e ache tudo uma falta do que fazer. Mas acontece que ele viu várias fotos muito legais de pessoas correndo, de manifestantes armados de pedras apenas enfrentando a repressão policial, de pelotões de tropa de choque formando linhas retas prontos para serem emoldurados numa foto em homenagem ao construtivismo russo. E o fotógrafo em questão — que sente falta de grandes guerras no país e que possui medo de ir à favela — vê aí sua grande chance de tirar aquela foto que vai marcar um momento histórico. E assim ele vai, com suas três máquinas: uma analógica que ele não sabe usar, uma digital profissional e uma vagabunda para o caso das outras duas derem problema (a analógica, segundo ele, sempre dá problema, mas é porque ele não sabe usar).
O manifestante fotógrafo é aplicado. Sobe em lixeiras, postes, marquises, tudo em busca do melhor ângulo. Ele não pode ver gente correndo, que vai logo atrás, e se frusta ao ver que é um alarme falso — alguém havia se assustado com uma barata e os outros correram pensando que era a polícia, tornado-se um efeito em cadeia.
Mudando de estratégia, passa a caminhar ao lado de um PM esperando fragá-lo agredindo manifestantes ou tentando proibi-lo de exercer seu dever de mostrar ao mundo a realidade dos fatos. Infelizmente acaba seguindo um dos poucos PMs boa praça do batalhão, que volta e meia dava sorrisinho para as fotos e informava manifestantes sobre como proceder em casos de emergência. A gota d’água foi quando o policial pediu se o manifestante fotógrafo podia lhe enviar as fotos por e-mail: Quero mostrar para minha filha, ele diz.
Quase no final de suas esperanças, eis que ocorre uma explosão. Fumaça se levanta. O fotógrafo começa a correr em direção do som de gritos e de armas disparadas. Sua arma, a máquina fotográfica, em punho. Chegando lá, encontra o que tanto esperava: pessoas correndo (clique), vandalismo (clique), polícias atirando em pessoas desprotegidas (clique), carros incendiados (clique), um policial no chão sendo agredido (clique). Apenas quando os efeitos do gás lacrimogênio se tornam intoleráveis demais, mesmo com vinagre, é que ele vai embora; certo de ter o trabalho feito.
Em casa, o fotógrafo não perde tempo de passar para o computador o seu trabalho, são quase 3000 fotos, e o computador por pouco emperra no processo. O resultado surpreende o fotógrafo, e não do jeito que esperava. São quase 3000 fotos embaçadas e desfocadas de gente correndo e de fumaça, e isso se você fizer um esforço para abstrair. O fotógrafo tampa o rosto em desespero. O trabalho não foi todo perdido, porém. Sobraram as fotos do policial dando tchauzinho para a câmera.
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