quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Um céu a cada dia

I
O sol da manhã me encara, na altura dos meus olhos, me cortando com as sombras retas dos prédios, das árvores, da sacada, dos móveis. Eu baixo os olhos, me rendendo. O sol não me quer por perto hoje.

II
17h19. O céu embotou. Cinza, azuis e laranjas, claros e aguados. Lavaram o céu e botaram para secar. Até o tempo está diluído, a vida estática como uma poça d'água. O ar, contudo, está seco e áspero.

III
Uma gangue de nuvens chegou para fazer arruaça no céu azul. Já derrubaram duas vezes as folhas na minha mesa com seus braços de vento. Agora as nuvens começam a estacionar, olhando feio quem passa debaixo dela, seus braços de vento cruzados sobre os peitos brancos. Melhor não irritá-las.

IV
Nenhuma nuvem, nenhum pássaro ou avião. Um deserto azul cobre a tarde. Um deserto azul encerra o mundo.

V
A luz da cidade refletida nas nuvens dá um tom avermelhado e incerto ao céu noturno. Lembra um pouco a cor que aparece por dentro das pálpebras fechadas.

VI
É noite, faz frio na rua e estou abraçado comigo mesmo. Olho para cima; escuridão nua exceto por alguns fiapos de vapores arroxeados.  Uma forma negra aparece contra uma nuvem, uma criatura alada capaz de me envolver com suas asas e me carregar para seu ninho na lua e me servir para os filhotes. Pisco os olhos. Uma parte do negror se parte, depois outra, e no lugar da criatura, um bando de pássaros mais escuros do que a noite.

VII
Nublado. Sol. Sol. Nublado. Ventania. Sol. Nublado. Para o vento. Chuva. Para a chuva. Vento. Sol. Neblina. O dia anda experimentando roupas.


VIII
O anoitecer nublado é um carpete, e a cidade é a poeira varrida para debaixo dele.