quinta-feira, 24 de março de 2011

Como encaminhar uma alma para outro mundo em 7 passos

Escrito por Azrael: anjo da morte, velador do fim do universo, cozinheiro de mão cheia.

1- Antes de mais nada, mate o indivíduo. Ele pode ser homem, alienígena, robô com consciência; em suma, qualquer coisa que fale, baseada em carbono ou não. Pode ser através de guerra, peste ou fome. Fica à preferência. Só evite ateus, eles ficam meio irritados com toda essa coisa de vida após a morte.
2- Confirme se o cadáver está bem matado, catucando o corpo com uma vara. Você não vai querer levar uma pessoa viva para o outro mundo. Eles geralmente começam a falar só em versos e sempre tentam trazer entes queridos de volta. Dá muita dor de cabeça.
3- Colha a alma. Seja rápido, pois ela se dilui rapidamente na atmosfera do mundo material. Use uma seringa para sugá-la do corpo. Caso já tenha se separado de seu meio físico, é mais apropriada uma rede de caçar borboletas.
4- Achate a alma com um rolo de massa tamanho médio. Assim ela ficará na espessura certa para atravessar dimensões.
5- Empacote a alma e a coloque num cometa em direção ao buraco negro mais próximo. Espere alguns nanossegundos e a pegue de volta no outro lado do universo.
6- A alma ainda estará bastante crua. É necessário agora expurgar todas as lembranças que possam impedi-la de aproveitar a estadia no pós-vida como funcionária eterna de alguma divindade. Para isso, bata a alma no liquidificador e a filtre num coador. Jogue fora as partículas de Ser que ficarem retidas e coloque o conteúdo pastoso que sobrar na geladeira.
7- Espere 30 mil anos e voir la: você tem uma alma pronta para desfrutar os grandes campos idílicos de trabalho forçado do outro mundo. E, como observação, os deuses greco-romanos são o que pagam melhor, embora exagerem no hidromel.

Eterno adolescente

Quando eu era mais garoto, o vestibular se colocava diante de mim como o apocalipse, uma nuvem negra que pairava no horizonte, sem qualquer pista de um mundo além. Eu nunca tive idéia do que fazer da vida ou do que esperar do meu futuro. Minha família, porém, tinha lá as suas idéias; minha avó sempre me quis para padre e o meu pai, para engenheiro. Como nunca aprendi rezar direito, também fiquei sem ter como pedir a Deus para que me fizesse entender matemática. Desafiado por qualquer problema mais difícil do que 1 + 1, eu logo tinha dores de cabeça e me imaginava tacando o livro na cara do maldito autor.

Porém, nunca contradisse o meu pai, nem minha família. Pensava que ia demorar até chegar as provas e que, depois, dava um jeito. Apenas olhava distraído para um lugar qualquer, toda vez que alguém falava de planos para mim. Acontece que os anos passavam e o monstro Vestibular estendia seus tentáculos a minha volta. Na ensino fundamental, prestei concurso para escola técnica e para a turma especial de ensino médio. Passei no segundo caso e, a partir daí, não teria hora que eu não temesse o fim de cada dia, o final de cada ano e o momento em que o diretor entrava pela porta da sala falando sobre nossas responsabilidades como estudantes classe A.

Para piorar, sempre em casa, na hora que estava passando algo na televisão que eu queria ver, aparecia meu pai com um bloco de folhas, me chamando para descer rapidinho e resolver uns probleminhas. Eu falava, "Não pode esperar?". Ele reclamava, "É rapidinho. Oras, esse desenho passa todo hora!"

O que não era de todo mentira, mas também não era toda hora que eu conseguia me sentar na frente da televisão. Como eu tinha irmãos, as vezes só me restava sentar no chão, sem tv nenhuma na frente. Nessas ocasiões eu resmungava qualquer coisa e me reunia ao meu pai, para demonstrar toda a minha incapacidade intelectual. O pior era quando ele não conseguia resolver uma questão, ficava obcecado. Passava dias, preenchendo folhas com cálculos e cálculos até que duas semanas depois me chamava:

-Társio, consegui resolver!

Bradava em suas mãos o maço de papel como se fosse sua medalha olímpica. Depois, quando tentava me explicar, se atrapalhava um bocado e eu já estava perdido logo nas primeiras linhas da primeira página, mas continuava acenando com a cabeça até o final. Mesmo quando decidi escolher a área de humanas, não me libertei das leis e teoremas.

Muito menos do maior postulado, o que tudo tem seu tempo e de que o vestibular iria chegar. Chegou e o meu pesadelo se tornou realidade: fui reprovado. Me saí mal, não tão mal quanto outros; mal o suficiente para desagradar a família. Fiquei sem palavras, porque afinal sabia muito bem que não me esforçara. Também sabia: a tortura continuaria.

Ingênuo eu era de pensar que uma simples prova fosse o fim. Esse terror da minha adolescência, carrego até hoje. O monstro que me envolvia com seus tentáculos cresceu comigo, agora ele tem a forma do primeiro emprego. Depois virará sabe-se lá o quê.

domingo, 13 de março de 2011

Na locadora

Vocês também têm a impressão de que é cada vez mais difícil encontrar a seção de filmes adultos, vulgo de putaria, nas locadoras? Quando eu era criança , eles ficavam simplesmente numa prateleira mais ao canto do que a dos outros filmes e podiam ser vistos por qualquer passante ocasional. Alguns anos depois, já adolescente, em outra locadora, ficavam separados num quartinho, onde homens velhos e às vezes algumas senhoras curiosas entravam, olhando sempre para os dois lados para ver se havia alguém observando. Mais tarde ainda, passaram para um andar totalmente diferente, sendo necessário subir uma escada e entrar num lugar escuro que sempre fantasiei como uma casa de ópio da sacanagem.

Agora, na segunda década do séc XXI, fui na locadora e não encontrei qualquer sinal desses filmes proibidos aos olhares dos puros de coração. Creio que devem ficar numa passagem secreta, dessas escondidas por uma estante que nós sempre vemos nos castelos do cinema. A pessoa vai lá, tira o dvd certo de uma prateleira e aciona um mecanismo que a faz girar e abrir passagem para uma sala secreta, repleta de seios e pênis das mais diversas formas, tamanho e combinações. Se bem que em tempos de internet quem vai gastar dinheiro com aluguel de pornografia? E é meio difícil proteger o direito autoral na indústria pornográfica. Vai se dizer o quê, “você está tirando o dinheiro de artistas”? São pessoas fazendo sexo, é um grande plágio de Adão e Eva e suas aventuras eróticas no paraíso. Indústria pornográfica... deve ser um outro universo.

Mas é bom esclarecer algo. Eu não estava à procura de filmagens ginecológicas não, viram? Na verdade estava muito bem comportado na prateleira de clássicos, que era a única que ainda tinha filmes disponíveis. Era véspera de carnaval e parecia que um furacão havia passado por ali, levando todos os besteiróis, filmes de ação e dramas premiados com Oscar. Pessoas apareciam carregando enormes pilhas de dvds e pilhas menores de blue-rays. Tinha um garotinho que ia abraçado com uma seleção que abrangia filmes como “Super-heróis: o filme” e pérolas do mesmo calibre. E ele dizia, espantado e maravilhado consigo mesmo, “Nossa eu não sei por que gosto tantos de filmes cheios de violência e sangue?”.

Ao ouvir isso, primeiro eu me perguntei se ele estava ciente do que se tratavam aqueles dvds. Violência talvez até tivessem, mas sangue? Não sei. Quem sabe ele devesse procurar pelas caixas escuras com letras vermelhas onde a palavra massacre aparece em algum lugar. A segunda coisa que eu pensei é o que diriam as pessoas responsáveis pela classificação de censura, ou os psicólogos de plantão, caso estivessem ao meu lado naquela locadora e ouvissem a exata mesma pergunta que eles devem fazer com tanta preocupação nos seus dias de trabalho saída pela boca de uma criança; que a diz com a alegria de um viciado que não só não sabe a natureza do seu vício, mas o abraça sem se importar nem um pouco com isso. Provavelmente balançariam a cabeça em negação e colocariam o Super-herói o filme na mesma sala secreta dos pornôs.

O negócio é o seguinte: nós amamos violência. Isso não é exatamente legal, mas fazer o quê? Eu fui criado por desenhos violentos e sou esse sujeito maravilhoso, muito bem quisto por todos os outros pacientes do hospício que frequento. Mas po “Super- heróis: o filme” também não né... é uma violência contra a espécie!

E é com essas sábias palavras que eu subitamente encerro esse post e pressiono o botão de autodestruição.

KATABOOOMMMM