domingo, 26 de setembro de 2010
Instantes não recicláveis
No dia que Ricardo conheceu o amor da sua vida, ele lhe passou um pacote de fandangos e uma cerveja long neck. Ela identificou os preços e colocou os produtos numa sacola. Nenhum olhar foi trocado, apenas dinheiro. Ele disse obrigado e ela, obrigado você. Depois nunca mais se viram.
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
Causa perdida
Duas pistolas. Dois homens. Dois pares de pés tomando distância um do outro. Uma donzela aflita. Ela morde o lábio e prende a respiração com medo de que a mais leve alteração no ar pudesse acionar os gatilhos. A preparação do duelo termina, os homens estão prontos para apontar armas. Gotas de suor escorrem do rosto da donzela, ela fecha os olhos. Os dois se viram, frente a frente, e posicionam a mira. Quem vencer, leva o prêmio: a mão da donzela em casamento.
Ela grita: Eu sou lésbica!!
O som passa pelo ouvido, vai até o cérebro, é concebido, mas não chega rápido o bastante aos dedos, que puxam o gatilho.
Dois corpos caem no chão.
Ela grita: Eu sou lésbica!!
O som passa pelo ouvido, vai até o cérebro, é concebido, mas não chega rápido o bastante aos dedos, que puxam o gatilho.
Dois corpos caem no chão.
domingo, 12 de setembro de 2010
Dicionário marginal
Palavrão é vocábulo do desabafo. Quando é preciso se expressar, um palavriado xulo é melhor do que qualquer metáfora ou requinte. Não se tem requinte no desespero, no fio da navalha. Quando a gente ta em perigo: Merda! Quando um cara te fecha na rua: filho da puta! Quando a gente admira alguém mais da conta: é foda pra caralho! Como proibir isso?
Difícil me lembrar do meu primeiro palavrão. Na infância, às vezes a palavra “droga” pode ser considerada um tabu por mães. “Que droga, mãe, não quero ir à aula!” “E a mãe dá um tapa disciplinador no garoto. “Não fale comigo desse jeito! Já não me basta o seu irmão que começou falando cacete e terminou ouvindo rock!!”, E aí ela cospe no chão e faz sinal da cruz.
Bem, só para constar, a minha velha não chegava a tal ponto. Tampouco podia eu vagar pelas margens do dicionário. Tinha que me contentar com caracas, putz grila, caramba, droga, bobão e, nos piores casos, imbecil. Se chegava algo mais irreverente e ofensivo aos meus ouvidos pelas vozes de tios e companheiros libertinos, eu simplesmente não entendia o que podia significar. Só fui entender o que seria viadinho depois da terceira série e depois de ter concordado com um colega que apontou o fato de eu ser viadinho.
Foi no ônibus escolar. Eu estava especialmente bem humorado no dia e me divertia fazendo voz fina, o que não necessitava de muito esforço já que minha voz nunca foi lá muito grave. Achava engraçado a besteira. Depois comecei a chamar pelo nome de alguns colegas com essa voz. Um dos mais altos da série não gostou muito e declarou:
-Maior viadinho!
Eu não via problema nisso. E, como parecia irritar o garoto, subi alguns tons na escala musical para repetir “viadinho viadinho”. Não foi algo que contribuiu muito na minha vida escolar, certamente, mas viria a ser apagado por outras situações mais embaraçosas no decorrer da minha existência.
De qualquer forma, podem ver que eu não era descolado, muito menos esperto. O meu português não era culto o bastante, mas nada que me fizesse parecer o gangster ou qualquer coisa assim. Na verdade, eu mal falava. Às vezes tinha um surto de bobagem, como no caso do ônibus, só que era raro. Para o meu espanto, porém, um colega disse que eu era desbocado e voltei para casa com isso na cabeça.
Tentei refrear nas palavras, mas logo descobri os seus sentidos e aí é impossível evitar dizê-las, pois você percebe a possibilidade de exprimir toda uma gama de sentimentos nunca antes explorados. Pela primeira vez eu tinha algo a dizer dos professores, dos colegas idiotas e dos desenhos que eu gostava. Claro isso deu uma outra perspectiva aos “viadinhos” que volta e meia eu ouvia sendo referidos a minha pessoa. Daí eu podia dizer foda-se e sair por cima, caso alguém não mandasse um corroda-se, me deixando sem ação nenhuma.
Hoje, sou versado nos palavrões e não perco a chance de dizer um porra, na frente de quem puder. A grande merda é que a vida adulta traz toda uma nova série de sentimentos e problemas que não encontram equivalentes no meu Aurélio Marginal. Para esses novos tempos, se faz necessários palavrões à altura, muito mais pesados.
Difícil me lembrar do meu primeiro palavrão. Na infância, às vezes a palavra “droga” pode ser considerada um tabu por mães. “Que droga, mãe, não quero ir à aula!” “E a mãe dá um tapa disciplinador no garoto. “Não fale comigo desse jeito! Já não me basta o seu irmão que começou falando cacete e terminou ouvindo rock!!”, E aí ela cospe no chão e faz sinal da cruz.
Bem, só para constar, a minha velha não chegava a tal ponto. Tampouco podia eu vagar pelas margens do dicionário. Tinha que me contentar com caracas, putz grila, caramba, droga, bobão e, nos piores casos, imbecil. Se chegava algo mais irreverente e ofensivo aos meus ouvidos pelas vozes de tios e companheiros libertinos, eu simplesmente não entendia o que podia significar. Só fui entender o que seria viadinho depois da terceira série e depois de ter concordado com um colega que apontou o fato de eu ser viadinho.
Foi no ônibus escolar. Eu estava especialmente bem humorado no dia e me divertia fazendo voz fina, o que não necessitava de muito esforço já que minha voz nunca foi lá muito grave. Achava engraçado a besteira. Depois comecei a chamar pelo nome de alguns colegas com essa voz. Um dos mais altos da série não gostou muito e declarou:
-Maior viadinho!
Eu não via problema nisso. E, como parecia irritar o garoto, subi alguns tons na escala musical para repetir “viadinho viadinho”. Não foi algo que contribuiu muito na minha vida escolar, certamente, mas viria a ser apagado por outras situações mais embaraçosas no decorrer da minha existência.
De qualquer forma, podem ver que eu não era descolado, muito menos esperto. O meu português não era culto o bastante, mas nada que me fizesse parecer o gangster ou qualquer coisa assim. Na verdade, eu mal falava. Às vezes tinha um surto de bobagem, como no caso do ônibus, só que era raro. Para o meu espanto, porém, um colega disse que eu era desbocado e voltei para casa com isso na cabeça.
Tentei refrear nas palavras, mas logo descobri os seus sentidos e aí é impossível evitar dizê-las, pois você percebe a possibilidade de exprimir toda uma gama de sentimentos nunca antes explorados. Pela primeira vez eu tinha algo a dizer dos professores, dos colegas idiotas e dos desenhos que eu gostava. Claro isso deu uma outra perspectiva aos “viadinhos” que volta e meia eu ouvia sendo referidos a minha pessoa. Daí eu podia dizer foda-se e sair por cima, caso alguém não mandasse um corroda-se, me deixando sem ação nenhuma.
Hoje, sou versado nos palavrões e não perco a chance de dizer um porra, na frente de quem puder. A grande merda é que a vida adulta traz toda uma nova série de sentimentos e problemas que não encontram equivalentes no meu Aurélio Marginal. Para esses novos tempos, se faz necessários palavrões à altura, muito mais pesados.
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