quarta-feira, 16 de junho de 2010

O que acontece quando se escuta a sua mãe

Teatro é uma das grandes formas de arte. Para mim, sempre foi mais uma forma de sadomasoquismo. Não estou querendo dizer que assisto peças com roupa de couro e um chicote. A metáfora – ok, devo dizer, não é muito boa – significa que as poucas montagens que eu assisti na minha vida eram um tanto escrotas. Para começar, aquelas da época da época da escolinha. Vinha lá um grupo de 3 pessoas maquiadas, com alguma história onde a moral, uma hora ou outra, era explicitamente dita por um dos personagens em alguma parte do fim. E pior, os diretores eram tão ruins, que os personagens tinham de perguntar para crianças onde estava o vilão, ou o vilão, onde estava o mocinho. Crianças recém alfabetizadas decidiam o futuro do elenco. O que Aristóteles diria quanto a isso? Talvez “Ali! ele foi para ali!”
Depois, eu fui a um teatro de verdade, o Miguel Falabella. O lugar para onde vai o pessoal da Globo que não consegue arranjar trabalho em novela. É uma espécie de purgatório televisivo o teatro, se parar para pensar. Enfim, os traumas produzidos por Falabella foram minimizados pelo fato de eu ainda ser criança e não ligar tanto para enredo e essas coisas, afinal eu assistia Cavaleiros do Zodíaco. Mas não há limites de idade para se odiar Boom.
Boom é um monólogo de uma hora com um gorducho chamado Jorge Fernando – vocês devem saber quem é, dirige para a Globo. Esse tal Jorge Fernando, um rapaz muito original, tira as suas piadas do fato de ser um homem gordo vestido de roupas femininas. E é isso. Gostaria de falar mais, só não há palavras para explicar. O pior da comédia ficou concentrado como colesterol na veia do ator. Tinha piadas de gay, palavrão, arroto, peido, sabe-se lá mais o que. Uma coisa eu tenho certeza: não havia nenhuma criança recém-alfabetetizada para dar pitacos no roteiro. Se tivesse, sairia bem melhor.
Deixemos isso de lado e vamos dar um salto no tempo. Estou divagando para chegar ao último sábado, 29 de maio de 2010, quando eu provei não ter aprendido com as minhas experiências anteriores. Onde eu moro, o Méier, não é um bairro conhecido por sua efervescência cultural. Aqui as pessoas estão felizes com futebol na TV e uma novela antes de dormir. O máximo que se chega é o norte shopping com seus cinemas e o infame Miguel Falabella. Mas isso não é totalmente verdade porque:
-Vocês sabiam que tem um teatro perto dos bombeiros – disse a minha mãe. E note, ter um teatro perto dos bombeiros não é um bom sinal.
-Ah sim, acho que já vi. – disse eu, lembrando-me – é no outro lado do Méier, depois do viaduto, né?
-É sim. É bem grande - disse minha mãe, pintando um Coliseu – Deve ser legal! Querem ir?
O meu irmão já foi negando logo de cara, apesar de explicitar o meu desejo de ir. Fiz que não timidamente com a cabeça. Minha mãe insistiu, cometendo o erro de contar sobre o enredo da produção. Era a história do milagre de Fátima. Tive ânsia de vômito na hora. O problema é que, se eu não fosse, a minha mãe iria sozinha para um lugar quase debaixo de um viaduto, perto do corpo de bombeiros, à noite. O meu espírito, sempre nobre, venceu. Acabei indo.
O lugar parecia qualquer coisa, menos teatro. O primeiro andar era quase um depósito de tão grande e alto. A decoração era no estilo cozinha da vovó. Aqui e ali tinha umas mesas cobertas por alguma toalhinha sobre onde repousavam pequenos jarros de flores falsas ou secas. Também, para indicar a qualidade artística da casa, a parede da direita e as pilastras carregavam quadros com temas bucólicos e totalmente distantes da realidade brasileira. Um casebre no meio de um campo verde, rios, barquinhos, uma camponesa nua, essas coisas. Até a minha mãe havia de concordar que era bem brega. Mas dá para se entender quando você vê chegar o público do lugar, um monte de velhinhos e velhinhas frescos da missa em alguma igreja por perto.
Eles entraram e aprovaram de imediato a decoração. Alguns olhavam a pintura com tanta concentração e reflexão que você quase acreditaria que a pessoa realmente morou num casebre num campo, no meio da Europa.
-Muito bonito, né? – diziam.
Demorou quase uma hora até podermos de fato entrar. Subimos a longa escada de aço até o 2º piso, onde nos esperava o palco e o tédio. Sim, porque houve uma espera de uma hora para começar a peça. Prevista para iniciar às 6:30, começou às 8:00. Tivemos que ficar no hall, enquanto não abriam as cortinas. Ali tinha um bar com jeitão de cozinha. Tinha esses armários embutidos e fogão. Também havia algumas mesas para se sentar, mas eram poucas, de modo que ficamos em pé, naquele espaço mal iluminado, imprensados pelo teto que tinha menos da minha altura com o braço levantado. Se você quisesse espaço, teria de sair para a área que dava para os banheiros, decorada elegantemente com pinturas de floresta tropical. Incluindo um tapete imitando graminha. Sim, a arquitetura era capaz de transformar um decorador gay em purpurina instantaneamente.
Quando eu e a minha mãe já estávamos perto de uma crise de claustrofobia, as cortinas vermelhas abriram. Passamos pelo portal e nos vimos em outro nível de breguice. Chão coberto de um plástico xadrez, branco e preto! A não ser que você seja uma lanchonete dos anos 50, não há nenhuma razão para ostentar piso xadrez. O clima sobrenatural era dado pelo gelo seco com cheiro de incenso e refletores com as cores do arco-íris. Isso mesmo. Você deve estar se perguntando se era uma boate gay. Bem, me perguntei a mesma coisa quando vi uma globos espelhados feitos para refletir luz em festa, da época que Menudos era algo capaz de ser cogitado. Segundo minha mãe, ali também funcionava como salão de danças em alguns dias. Imagine os freqüentadores... Fiquei quieto na minha cadeira de plástico. Ah sim, você se sentava em cadeiras de plásticos, iguais a essas usadas em festa de aniversário em casa para deixar o pessoal confortável enquanto comem os seus salgadinhos frios.
Não vou falar muito da peça em si. Eu sei. Então pra que todo esse blabla, lerolero? Basta dizer que era praticamente como ouvir a minha avó rezando de manhã. Todo esse papo de fé, penitência e chatice que todos estamos acostumados. Minha fala favorita é quando perguntam se a Santa pode ajudar a curar não sei quem. Ela chega e diz “Se ele se converter...”. Não é ótimo essa barganha religiosa? E o pior mesmo são adultos interpretando crianças. Por que fazem isso em teatro, cara? É impossível não lembrar de Chaves! Fica tosco. Por mim, ou tentam colocar crianças ou não colocam. Eu fico com vergonha.
A 1:30h de duração do Milagre do Sol(esse era o nome), pareceu muito mais longo do que os mais de 13 anos que levaram para que o tal segredo fosse revelado. Mas, como o tempo é relativo, minha mãe o viu até passar rápido e achou a história agradável e emocionante. Eu pensei, vontade de rir é uma emoção? Nossas diferenças críticas foram esquecidas, quando a minha mãe pagou um cachorro quente completo para gente. Aí, me vendi mesmo, roguei que aquilo era um milagre e agradeci a Fátima pelo meu pedaço de colesterol embalado em carboidratos. Porém, como os céus não devem ter acesso à internet, vim ao meu blog blasfemar.
Continuo a espera do teatro prometido, que me faça ver de que não só quadrinhos, livros e filmes se é feito narrativas. Mas até agora tem exigido mais fé do que qualquer providência divina.

Um comentário:

Marcela disse...

inacreditável!!!!