O poeta balança o ombro, relaxa os músculos, esfrega as
mãos, inspira e expira, e agachando-se agarra o peso de ser com as duas mãos.
Levanta o peso até a altura do pescoço. Ali fica paralisado, pernas e braços
tremem, o suor escorre pela pele e pinga no chão, até que o poeta desiste e
solta.
O peso de ser é demais para o poeta.
Mas ele continuará treinando.
Captura da natureza
A paisagem posa para o pintor italiano e francês. Cada um
tem diante de si uma tela em branco e em punhos pincel e palheta. O juiz apita.
Pinceladas chicoteiam o quadro do italiano, o francês olha apenas. Ao final, o
italiano tem um retrato fiel da paisagem, capaz de fazer um passarinho se
estabacar sem perceber que ali não era seu ninho, mas um quadro. Há palmas,
muitas. O francês, porém, permanece com a mão imóvel, alheio ao tempo que se esgota.
Na plateia as pessoas se agarram nervosas. O juiz está prestes a apitar o fim
da disputa quando, em um movimento preguiçoso, o francês molha o pincel na
tinta preta e risca de leve a tela branca. O juiz apita. A multidão empolgada
grita.
Vence o francês.
Boxe existencial
O lutador declara que o oponente não existe. O oponente, por
sua vez, pergunta como o lutador sabe que ele próprio existe. Ele se defende,
“Sou capaz de conjugar pensamentos e refletir sobre mim mesmo.” O outro diz que
os pensamentos podem ser de outra pessoa, do juiz ou do oponente mesmo. O
lutador se desvia e contra-ataca, “Mas a vitória e o vitorioso existirá independente de a pessoa ser sonhada ou verdadeira.” O oponente esbraveja, “A vitória real é a
verdade, buscar a ilusão é se perder.” O lutador se segura nas cordas,
desnorteado, mais volta para cima do oponente, “Mas se somos sonhos a verdade
irá nos desfazer, assim como o vento sopra as nuvens.
A verdade, então, significaria nossa derrota!”
Há um silêncio meditativo, o sino toca. Termina 1609º round.