Na sexta, é Cinderela querendo ir ao baile encontrar seu príncipe encantado. Sábado, é a filha do Rei que precisa de encantos para ser bela, cantora e ser acordada pelo beijo de um nobre apaixonado, como se nascer rica já não fosse o bastante. Domingo, tem garoto de pau que quer virar homem, mas sem deixar de ser cara de pau. E assim vai. Não se passa um dia sem alguém pedir à pobre fada alguma benção. Oras, e ela como fica? 50 anos, solteirona, cheia de contas para pagar, tendo de voar de um reino para o outro com duas asas velhas e gastas. Não há quem agüente. E vá perguntar se um dos seus afilhados, depois de conquistar o seu feliz para sempre, se lembra dela. Nada. Nem vê a cor do dinheiro e olha que anda precisada. A varinha de condão está carente de reparos. Só pega um encanto na segunda tentativa. Já teve caso de sapo, em vez de belo príncipe, virar cobrador de imposto de renda quando beijado. A princesa vítima do engano, não declarando seu castelo nem os sete anões, foi processada e teve seus bens confiscados.
Exausta, estressada, a fada madrinha resolveu então que era hora e vez de cuidar de si mesma, pois não havia quem fosse lhe abençoar. Depois de muitas estrelas e fagulhas saindo da varinha e das palavras mágicas certas, fez uma plástica, turbinou os seios, colocou botox, arranjou um namorado com pinta de integrante de boy band e virou cantora de jazz. Sua história não foi parar na capa dos livros de fábulas nem seu final foi feliz para sempre. Nos salões reais, as princesas e os príncipes, que tanto desfrutaram de sua ajuda, agora cochichavam o absurdo de uma fada ter tal atitude. “É uma perua”, diziam. “Que vergonha!”, sussurravam. “Tem idade para ser a mãe dele!”, condenavam, “Onde foram parar os valores antigos?”
Desmoralizada, a fada que voou alto demais nunca mais foi requisitada, mas pelo menos teve o seu próprio fim.