Quando a gente pensa que se acostuma a todo tipo de merda: tiroteio, mendigos na rua, políticos corruptos, Faustão – tá, esse não tem como se acostumar mesmo - ; o Brasil vai lá e consegue te surpreender. Estava a minha pessoa e a de meu colega sentados numa mesa do McDonald, certo? Nós entramos lá porque estava relativamente quieto e precisávamos de toda concentração possível para discutir quem era mais forte, o Hulk ou o Super-Homem; de forma que nem reparamos numa menininha de uns 7 anos talvez parada ao nosso lado. Só quando o meu pé esbarrou nela que me dei realmente conta da sua presença.
-Opa. Desculpa.
Ela voltou-se pra mim e ficou ali, com dois olhos enormes no seu rosto negro redondo. As mãosinhas seguraram na mesa. Fiquei preso ali, diante do pequeno ser. Dei um sorriso amarelo ao que ela respondeu com um rumor de voz engatinhando que não era só fofo! era como ser atingido por uma propaganda de caridade na cara.
-Moooço, pode comprar um hambúrguer.
Caralho! Olhei rapidamente pro meu colega e depois pra ela, pros imensos globos oculares que cresciam e cresciam. Foi um daqueles momentos em que você se divide em várias vozes: tipo o anjinho num ombro, o diabo no outro e o Boris Kazói em cima da cabeça. Independente da sua escolha, Boris Kazói sempre te bate com sua frase “Isso é uma vergonha!” Contudo, era necessário colocar alguns fatos em perspectivas: a menina era plenamente saudável, vestia roupas normais e nem cheirava a vestígios da vida na rua. Porra, ela era só uma criança qualquer que devia treinar olhar de cachorro esfomeado na frente do espelho todo santo dia. O veredicto foi: Poxa, agora não dá, ok? O meu colega complementou: A gente nem comprou pra nós mesmos.
E foi aí que o segundo round começou. Ao invés de ir embora, a nossa interlocutora continuou estacada em sua posição, nos encarando. Eu virava para o lado, contava até 10 e a personagem de um especial do “criança esperança” não arredava o pé. O meu amigo simplesmente deu de ombros. Nenhuma dessas preocupações se passava na cabeça dele, o cara é igual a um iceberg, sendo que o bloco de gelo é mais festeiro. Enfim, quando a minha mão começava a coçar e o Boris Kazói a gritar no meu ouvido, ela finalmente cedeu e de cabeça baixa declarou a sua derrota ou a de minha moral. Tanto faz.
-Você ia quase ceder! Quantas vezes vou ter que te ensinar a repudiar todos os outros.
-Porra, a garota tinha poderes cara! Você viu aquilo? Pensei que não ia mais embora!
Só que ela fora. Todavia, não sozinha. Aliás essa é a razão de ser de toda essa crônica, do fundo do McDonald veio essa mulher que segurou a garota pela palma da mão e com um “vamos, filha” saiu da lanchonete. Vi as duas cruzando a rua, pobres brasileiras que agüentam a dureza de não ter um BigMac com fritas e coca grande todos os dias.
2 comentários:
Boa cronica, você escreve bem. Tem humor e ainda te faz pensar. Um abração e até quarta
Felipe
PS: você guarda essas coisas no seu computador, não é? antes de você publicar no seu blog manda para si mesmo por email.
PS: você guarda essas coisas no seu computador, não é? antes de você publicar no seu blog manda para si mesmo por email.
muito válido!
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