Picuinhas seguia sorridente no seu caminho que levava para fora do campus universitário. Fora um dia feliz e ele tinha a necessidade de demonstrar isso com passos joviais, às vezes saltitando para coisa toda ficar mais óbvia. Oras, o céu estava azul claro, as flores se abriam em cor e perfume, os pássaros cantavam e... quem diabos é aquela pessoa no sentindo contrário? Uma dor lacerante correu pelo peito, seus pés congelaram diante dos motores que acionavam a sua memória e o mundo passou por um cinza dominado pelo...(voz cavernosa) medo. Sua cabeça foi a mil, como você pode bem observar a seguir: “Lindolvo! AQUI?! Não é possível, ele é burro demais para entrar para uma faculdade. Deus, ele não consegue se arrumar sem a ajuda da mãe! Tenho que despistar esse pulha!”
Olhou para um lado, olhou para outro; sempre evitando qualquer contato visual.
“Talvez se eu mudar de calçada... Mas aí ele ainda pode me ver... Se tivesse chovendo, eu me escondia com um guarda chuva... e se – uma gota de suor correu por entre os olhos esbugalhados – ele já me viu?”
-Eu to no meu horário de almoço, tá legal?!- disse o segurança, em vista que os olhos não saíam dele.
“Ótimo, pensou Lindolvo ao ver que Picuinhas começara a ler, assim tenho uma boa desculpa para não cumprimentá-lo.”
“Essa droga de caderno não vai funcionar!” Picuinhas fechou o caderno, enquanto a sensação de inevitabilidade o atingia. Não podia fugir de seu destino. A morte era a única saída e esquecera sua pílula de cianureto em casa. “Do jeito que esse cara é chato vai fazer uma algazarra pra chamar a minha atenção. Nada pode impedi-lo de ser um mala sem alça”
“Merda! Parou de ler!” Irritou-se o outro. “Se ao menos eu não fosse analfabeto, eu poderia ler alguma coisa!”
Pat pat pat pat. Continuava a marcha e a Guerra fria, sem que os outros passantes se dessem conta da situação delicada que os dois se encontravam. As vezes os dois paravam para admirar o não sei o que, talvez uma formiga o que passava ou as vezes para puxar uma conversa com alguém que estava só de passagem e que não se importavam nem um pouco de ignorá-los. Se havia alguma coisa para fazer, tinha que ser agora. E eis que surge uma epifania na mente de Picuinhas. Fora iluminado com a salvação, tudo que precisava fazer era entrar no prédio logo a seu lado. Virou 94º a esquerda – não poderia ser 90º, pois duvidariam da naturalidade do ato – e seguiu para o prédio hospitaleiro.
Teria entrado se não tivesse esbarrado com alguém. “Tudo bem, calma. É só ir pedir com licença e passar do lado”
-Com licença.
“Pronto. Agora ela foi pro mesmo lado que eu, mas daí é só ir pro outro que a gente acaba com essa situação e cada um sai ou entra... Aha! Ela foi para o mesmo lugar que eu de novo. Isso está se tornando constrangedor, vou fingir que eu vou para um lado e vou por outro. 1 2 3. Lá vai”
-AII! Qual é o seu problema? – disse a garota após o empurrão.
-Olha, moça! Você precisa sair da minha frente, é questão de vida ou morte.
-É você que precisa sair da minha frente.
-Você preci.
Picuinhas olhou para o lado, quando Lindolvo passava assoviando (o que ele não sabia fazer, então na verdade só estava soprando e fazendo algum ocasional barulho). Por um ato reflexo ou pelo maldita curiosidade que nós humanos temos em relação aos nossos infortúnios, Lindolvo virou o rosto, nanosegundos o bastante para seus olhos cruzarem com os deles como dois aviões kamikazes, como asteróides em suas rotas de colisão com planetas. Não só cruzaram olhares, mas como pensamentos. “Merda”
-Lindolvo, como você vai, rapaz?
-E aí, Picuinhas, meu velho, há quanto tempo?
-Saudades de sua piadas.
-Ah, eu tenho ótimas. Tem tempo, te conto algumas.