sábado, 6 de dezembro de 2008

Trecho de conversa em festa de família

Estou prestes a tomar um copo d'água, quando a minha prima me aborda na cozinha. Num tom de voz provavelmente usado por espiões em festas da empresa falando mal dos chefes, ela pergunta:
-Você gosta de alguma avó sua?
O copo, preso na minha mão, está suspenso a poucos milímetros da minha boca, congelada num biquinho pensativo e, para observadores mais machistas, gay.
-Hum... -digo e complemento, olhando para cima - Bom...
-Cara, as minhas avós e avôs são um pior que o outro -ela emenda, a voz já assumindo o tom de "promoção de feira, na minha mão é mais barato" típico da minha família - uma é psicótica, outro racista, um é viciado em jogo e o...
-AAhh - recordo com um sorriso nostálgico - Quando eu tacava farelo de biscoito na careca do vovô bigode, ele não brigava comigo. Então, tem que dar um ponto pro cara.
-Eu não lembro nunca dele ter falado comigo.
-Sério?
-Sério. -afirma ela, fazendo um sinal com a cabeça. -Ele já falou com você?
-Bom... - parei para pensar e não me veio nada em mente, mesmo assim respondi - vagamente. Nenhuma Conversa profunda. Ele não curtia muito desenho animado... o que cortava a maior parte do meu repertório...
Nessa hora a minha prima puxa outra prima que passou por lá. Começo a temer que aquilo se torne uma grande discussão familiar, onde todos vão conversr sobre o sentimento de um pelo o outro e que tudo termine num grande constrangedor abraço familiar. Divago: seria bom que a minha casa fosse que nem os castelos medievais cheios de túneis para fugir... Aqueles Reis safados... eles sabiam como viver. Bem longe da família. (até por questão de sobrevivência, afinal só exisita uma forma de chegar ao trono)
-Você lembra do vovô bigode falando com você? - pergunta a primeira para a segunda prima.
-Mais ou menos. Ele deixava os meus irmãos passarem tinta na cara dele.
-Você devia ter tacado migalha na careca dele... quebrava o gelo.
-É né?- a primeira prima falou, enquanto levantava os os ombros e depois soltou um riso - Meu pai sempre dizia pra mim "Filha se tiver algum problema, pode falar comigo porque o meu pai e eu nunca conversávamos" e eu respondia "Nem comigo, pai!"

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Poeira no vento

As pessoas atravessavam a rua, seguindo as engrenagens do grande motor da cidade. Não olham para o lado, não se desviam do caminho, alguns para um sentido, uns para o outro. Alguns carros preocupados com a hora em que representarão o cuco saindo do relógio começam a buzinar.
Assim como os outros, Glauco estava no seu trilho e estava quase chegando ao outro lado da rua, quando, no sentido oposto, passou alguém familiar. Virou-se de chofre para trás, vendo as costas de uma mulher mais ou menos da sua idade, uns trinta e pouco, apesar dos trinta e poucos de Glauco parecerem quarenta e tantos.
Como que preso por um centro gravitacional, Glauco seguiu o cheiro de passado no ar, aumentando o passo em alguns saltos, pois o sinal de trânsito na sua infalível sincronia abrira. A engrenagem não podia atrasar.
Sinal verde. Motor de carro. Pés batendo no chão, nervosos e acelerados.
Glauco pára logo acima da sarjeta, bafejante. Era magro e raramente fazia algo além de ficar sentado na cadeira o dia inteiro; não era do tipo atlético. E suas olheiras e pela branca lhe davam a impressão de que esmaecia de alguma doença. Os olhos percorreram todas as direções do caminho à procura da moça. Encontrou-a. Andava apressada; os volumosos cabelos castanhos claros balançando sobre os ombros.
Com o fôlego ainda não recuperado, emparelhou com ela em busca de um vislumbre do rosto da memória. Estava quase conseguindo, mas a concentração o levou a não prestar atenção ao poste que aparentemente materializara na sua cara. Soltou um gritinho fino comprimido pelo baque que ajudou a situação toda ficar mais ridícula. Passou mão na cabeça que latejava e soltou alguns dos xingamentos que se permitia dizer: bosta! Que droga de poste!
O acidente acabou por chamar a atenção da mulher que ele seguia, estava agora de frente para ele.
-Você ta legal?- ela perguntou.
Ele respondeu que sim, abrindo os olhos e a vendo pela primeira vez. Porém, não era a primeira vez. A mulher, satisfeita com seu auxílio e com a resposta, logo se voltou para o seu trilho. O tempo não espera, porém....
-Espere! – pediu Glauco, que ainda tentava acertar os pensamentos.
-Sim? - com a mão entre os cabelos e o corpo de lado, preparada para fugir.
O homem se ajeitou um pouco, passando a mão pela camisa branca.
-Você não se lembra de mim?
-Desculpa. Não.
-A gente estudou na oitava série. Escola Santo Antônio. Eu sempre te oferecia bala no recreio, lembra? O Glauco.
Com uma careta, a mulher fingiu fazer esforço para lembrar. Mas sabia que nunca tinha visto esse cara na sua vida e estava começando a perder a paciência. Uma das suas mãos já começava a tatear a bolsa para verificar se estava o celular, caso se fizesse necessário o bom e velho truque. “Hey, desculpa, acabaram de me ligar. Precisam de mim para uma cirurgia de emergência. Vida ou morte! Tchauzinho.”
-Ah... sim. Glauco- ela falou, desviando o olhar – Ótimas balas.
Ele soltou um sorriso de contentamento. Uma pena que não estava com nenhuma bala no momento.
-Mas bem, hã... eu tô com pressa agora. Qualquer dia a gente combina de reunir a galera. A gente se fala!
Tão logo ela deu as costas, Glauco se manifestou, “ Você não se lembrou né?”
Ela soltou um suspiro e ele voltou a insistir numa dezena de pequenos feitos, como quando ele havia pego os cadernos dela, que caíram no chão da sala em 4 de outubro; do bicho de pelúcia que ele lhe deu no aniversário; da vez que ele sem querer vomitou na frente dela numa festa e muitas outras situações. Não obtendo êxito, decidiu trazer a sua lembrança mais querida e que em todos anos de sua vida nunca se amarelou, a lembrança da carta. Escrevera uma carta com todos seus sentimentos. Elegias, sonetos e declamações eram o que não faltava na carta. Entregou-a através de uma colega em comum e recebeu, em resposta, uma outra carta que dizia que nunca havia visto palavras tão bonitas antes, mas que lhe queria como amigo, um grande amigo. E que ela não sabia amar e - meio sem contexto - tinha muita coisa pra estudar.
Foi o que Glauco contou para ela.
-Hahaha! Cada coisa que a gente faz quando é adolescente, né? – brincou a mulher. –Que coisa, não lembro disso não.
-Não?! – o homem estava pálido, o que era uma proeza considerando a sua aparência descolorida.
-Não não. – falou descontraída - Vou dar uma olhada nas minhas coisas. É sempre bom dá umas boas risadas.
-É?!
Um aceno leve anunciou a saída da mulher e de sua memória. Todo aquele tempo aquilo ficara guardado nele e todo aquele tempo não significara nada. Quantas mais recordações preciosas não sofriam do mesmo mal? E tudo o que lhe restava eram as memórias e o trilho o qual seguia: acordar, almoçar, trabalhar, pagar divórcio de vez em quando, dormir mal. Lembrou-se dos tempos de criança, quando não tinha responsabilidade, quando as escolhas ainda estavam sendo feitas. Memórias falidas levadas pelo vento, o vento da rotina.
Naquele dia, não sentou a bunda na cadeira do trabalho, não perdeu tempo com as mesmas coisas do jornal e TV. Pegou a tal carta que estava dentro de uma caixa, levou-a para um bar qualquer, onde, acompanhado de cerveja intercaladas por doses de cachaças, anotou alguns palavrões que nunca falara e piadas mesquinhas por toda página de sentimentalismo. O vento havia passado e o ar estava quente e, no bar, fazia-se uma agradável bagunça.

domingo, 24 de agosto de 2008

Como morrem as idéias

O branco da parede me encara e eu devolvo o olhar. Esse embate toma a maior parte dos meus dias; eu largado na cama, catatônico e ela inflexível como sempre. De repente, algo passa pela minha cabeça. Pisco. Será uma idéia? Não, foi só um pedaço de reboco que caiu do teto. Cara, devo estar a algum bom tempo assim. Droga, agora a parede venceu. Antes de recomeçar a partida do zero, pego um sino ao lado da cama, quebrando a imobilidade. O retinir do metal toca uma, duas e uma terceira vez insistentemente, mas sempre é acompanhado do silêncio.
-Manhê, traz um sanduba pra mim!!!-grito- com fome e estou ocupado demais tendo idéias brilhantes para ir até a cozinha!!!
Mas ninguém atende. Sinceramente, penso, Não há mais condições de se viver assim, é sub-humano. Já não vale mais a mesada! Peraí! Mesada, mesada... O mistério de um garoto que perde sua mesada. Intrigas entre família, um assassinato acontece e e e e... me perdi. Droga. Seria mais fácil se eu escrevesse sobre falta de inspiração. Todo grande artista fala sobre isso uma hora ou outra, e eu seria melhor porque faria uma trilogia que venderia para hollywood. ! Pois então, é isso que eu vou fazer. Satisfeito, pego o controle remoto e ligo a TV; está passando uma maratona de Lost. Tem sempre alguma coisa que você só percebe na quarta reprise. Afundo no travesseiro.
Nunca dá tempo de transpor as idéias e elas se esvaem tão rápido.

sábado, 26 de abril de 2008

Convenções sociais

Picuinhas seguia sorridente no seu caminho que levava para fora do campus universitário. Fora um dia feliz e ele tinha a necessidade de demonstrar isso com passos joviais, às vezes saltitando para coisa toda ficar mais óbvia. Oras, o céu estava azul claro, as flores se abriam em cor e perfume, os pássaros cantavam e... quem diabos é aquela pessoa no sentindo contrário? Uma dor lacerante correu pelo peito, seus pés congelaram diante dos motores que acionavam a sua memória e o mundo passou por um cinza dominado pelo...(voz cavernosa) medo. Sua cabeça foi a mil, como você pode bem observar a seguir: “Lindolvo! AQUI?! Não é possível, ele é burro demais para entrar para uma faculdade. Deus, ele não consegue se arrumar sem a ajuda da mãe! Tenho que despistar esse pulha!”
Olhou para um lado, olhou para outro; sempre evitando qualquer contato visual.
“Talvez se eu mudar de calçada... Mas aí ele ainda pode me ver... Se tivesse chovendo, eu me escondia com um guarda chuva... e se – uma gota de suor correu por entre os olhos esbugalhados – ele já me viu?”

Lindolvo, que de lindo só no nome mesmo, passara pelo portal da faculdade. Muita gente disse que ele nunca conseguiria entrar para nenhuma universidade, mas lá estava; de nariz em pé, mostrando que todos estavam enganados. Tá certo, que não entrou para ser estudante e, sim, faxineiro, porém já era meio caminho andado. Foi nesses entrementes que ele avistou um antigo colega parado há alguns metros à frente. E, apesar do que Picuinhas imaginava, a última coisa que Lindolvo queria era conversar com ele. “Putz, era tudo o que eu queria ver esse idiota! Cumprimento ou não cumprimento? Eu mal falava com ele, tinha um péssimo senso de humor. Nunca ria das minhas piadas! Sem falar que ele não entenderia o romantismo da profissão da limpeza, mesquinho filho da puta! Ah essas merdas de contravenç.. convenções sociais! Não vou cumprimentar o cara e pronto. Vão me prender, é?” Nesse momento, Lindolvo encarou o segurança que comia seu sanduíche em paz e que, por sua vez, ficou constrangido. O segurança, não o sanduíche, apesar que certos sanduíches com maioneses fora da validade e ovos estragados terem vida o bastante para possuírem personalidade.
-Eu to no meu horário de almoço, tá legal?!- disse o segurança, em vista que os olhos não saíam dele.

A cada passo os dois chegavam mais perto um do outro e o desespero aumentava. Picuinhas jurava que podia sentir o som do choque do pé contra o chão como um tambor, abafando qualquer outro barulho ao redor, principalmente o cantar dos pássaros. Passou a mão na testa. “Que eu faço? Só estou a alguns segundos de uma piada velha e sem graça envolvendo algum garoto excepcional, português ou não, chamado Joãozinho. Já sei” Pegou um caderno de sua mochila e abriu bem na sua cara, fingindo muito interesse na leitura.

“Ótimo, pensou Lindolvo ao ver que Picuinhas começara a ler, assim tenho uma boa desculpa para não cumprimentá-lo.”

“Essa droga de caderno não vai funcionar!” Picuinhas fechou o caderno, enquanto a sensação de inevitabilidade o atingia. Não podia fugir de seu destino. A morte era a única saída e esquecera sua pílula de cianureto em casa. “Do jeito que esse cara é chato vai fazer uma algazarra pra chamar a minha atenção. Nada pode impedi-lo de ser um mala sem alça”

“Merda! Parou de ler!” Irritou-se o outro. “Se ao menos eu não fosse analfabeto, eu poderia ler alguma coisa!”

Pat pat pat pat. Continuava a marcha e a Guerra fria, sem que os outros passantes se dessem conta da situação delicada que os dois se encontravam. As vezes os dois paravam para admirar o não sei o que, talvez uma formiga o que passava ou as vezes para puxar uma conversa com alguém que estava só de passagem e que não se importavam nem um pouco de ignorá-los. Se havia alguma coisa para fazer, tinha que ser agora. E eis que surge uma epifania na mente de Picuinhas. Fora iluminado com a salvação, tudo que precisava fazer era entrar no prédio logo a seu lado. Virou 94º a esquerda – não poderia ser 90º, pois duvidariam da naturalidade do ato – e seguiu para o prédio hospitaleiro.

Teria entrado se não tivesse esbarrado com alguém. “Tudo bem, calma. É só ir pedir com licença e passar do lado”
-Com licença.
“Pronto. Agora ela foi pro mesmo lado que eu, mas daí é só ir pro outro que a gente acaba com essa situação e cada um sai ou entra... Aha! Ela foi para o mesmo lugar que eu de novo. Isso está se tornando constrangedor, vou fingir que eu vou para um lado e vou por outro. 1 2 3. Lá vai”
-AII! Qual é o seu problema? – disse a garota após o empurrão.
-Olha, moça! Você precisa sair da minha frente, é questão de vida ou morte.
-É você que precisa sair da minha frente.
-Você preci.
Picuinhas olhou para o lado, quando Lindolvo passava assoviando (o que ele não sabia fazer, então na verdade só estava soprando e fazendo algum ocasional barulho). Por um ato reflexo ou pelo maldita curiosidade que nós humanos temos em relação aos nossos infortúnios, Lindolvo virou o rosto, nanosegundos o bastante para seus olhos cruzarem com os deles como dois aviões kamikazes, como asteróides em suas rotas de colisão com planetas. Não só cruzaram olhares, mas como pensamentos. “Merda”
-Lindolvo, como você vai, rapaz?
-E aí, Picuinhas, meu velho, há quanto tempo?
-Saudades de sua piadas.
-Ah, eu tenho ótimas. Tem tempo, te conto algumas.